POEMA PARA FRANCISCO CARVALHO, POETA-MOR
Geraldo Reis
Empresta-me o teu abismo e a tua lua
e serei um demiurgo
e andarei cantando loas
com a boca invisível de Deus
e serei salvo.
Empresta-me o teu devaneio e a tua prole
a tua sandália, os teus pés e o teu corpo
andarei entre sarças de fogo, incólume às labaredas
e entrarei no paraíso como no coração de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a tua ceia e os teus convivas
os grãos de luz de teu celeiro e o teu pasto
empresta-me a tua coleção de antigos versos
e o teu canto de sereia arremessado contra os barcos
e cantarei com a tua voz de pálpebra cerrada
como no paraíso verde de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a tua janela e o que dela se descortina
cantarei diante do deserto ao vislumbrar as searas apenas inventadas
e verei multiplicarem-se os oásis e as miragens
como na multiplicação dos pães, dos peixes e da chuva
e verei a multiplicação do próprio Deus
e serei salvo.
Empresta-me o teu rio e os teus seixos
a tua areia e os teus peixes
e terei uma sede infinita
e uma fome tão ampla como os territórios de Deus
e serei salvo.
Empresta-me o teu cardume de sonho e de desejo
o teu livro de rezas e manufaturas
a poção com que se faz um barco,
uma espiga, uma estrela
uma bússola, um epitáfio, um pássaro
e possuirei as esquinas de Manhattan,
os subúrbios de Paris
as tardes de tua adolescência conspurcada
a tua bandeira de fé projetada no vácuo
donde entrarei cantando na claridade de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a tua oficina e afinemos os barcos
para que singrem como estilete as águas
empresta-me no espelho a tua face imóvel
repetida no verso, como num lago
e entrarei na baía de todos os santos de Deus como num monastério
e serei salvo.
Empresta-me a tua história, a lenda que habitavas
teu cajado, a tua figura de pastor e o teu rebanho de cabras
e serei como a canção de tua boca
e entrarei no ouvido de Deus
e serei salvo.
Empresta-me o teu reino e os teus vassalos
o cavalo que um dia sonhaste galopando em alto-mar
o salto que ele dava e que anulava a distância
entre o mergulho no abismo e o teu afeto
e penetrarei triunfante como um dardo
na escuridão do olhar de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a fração de mar que refletiu teu rosto
onde a primeira ruga era um pombo musicado
a rua clara conduzindo ao impossível
terreno donde se espalha o combate
entre o anjo bom que colhe o verso
e o anjo mau que dissemina o sargaço,
e estarei cantando como urutau que subsiste
às intempéries da atual falta de canto
e entrarei na partitura do próprio canto de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a tua retina e o que nela se enquadra
e empresta-me a paz de teus lábios cerrados
(não para sempre,
mas enquanto dormes)
e cantarei com a voz da tempestade como um novo dilúvio
e entrarei no sono de Deus
e serei salvo.
Empresta-me o que restou de voz ao filho pródigo
o que sobrou do banquete natalino dos mendigos
empresta-me a insônia do que viveu mais pobre
porque tudo o que tinha era nada
e estarei cantando como quem pede
um lugar para sempre na simplicidade de Deus
e serei salvo.
Empresta-me as embarcações mais frágeis
as rotas ignoradas e os versos inacabados
empresta-me o degredo do que não teve pátria
nem dinheiro, nem endereço, identidade, vida ou morte
e estarei cantando, assim como quem passa
a vida inteira diante de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a cerração mais densa e o luar mais baço
empresta-me o teu olho esquerdo
(que o direito pode fazer falta)
e empresta-me a tua história que repete
a pupila do eterno enquanto passo
e estarei cantando como quem abre
o guarda-chuva da proteção que vem de Deus
e serei salvo.
Empresta-me o teu catre
e nele o que foi sonho
principalmente empresta-me o teu sinete
as carpideiras que te amaram e que se foram
as amantes que te consumiram e já nem te comovem,
o ar que penetrando os teus pulmões
voltou como verso e como canto redimido
e entrarei nos domínios de Deus com no domingo mais claro
um eterno domingo na madrugada de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a tua coleção de antúrios e o teu cão de guarda
as canções que tombaram à porta de tua morada
até que chegue o sol e até que chegue a lua
até que chegue a nova eternidade
que existe depois de Deus e do abismo
e serei salvo.
e serei um demiurgo
e andarei cantando loas
com a boca invisível de Deus
e serei salvo.
Empresta-me o teu devaneio e a tua prole
a tua sandália, os teus pés e o teu corpo
andarei entre sarças de fogo, incólume às labaredas
e entrarei no paraíso como no coração de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a tua ceia e os teus convivas
os grãos de luz de teu celeiro e o teu pasto
empresta-me a tua coleção de antigos versos
e o teu canto de sereia arremessado contra os barcos
e cantarei com a tua voz de pálpebra cerrada
como no paraíso verde de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a tua janela e o que dela se descortina
cantarei diante do deserto ao vislumbrar as searas apenas inventadas
e verei multiplicarem-se os oásis e as miragens
como na multiplicação dos pães, dos peixes e da chuva
e verei a multiplicação do próprio Deus
e serei salvo.
Empresta-me o teu rio e os teus seixos
a tua areia e os teus peixes
e terei uma sede infinita
e uma fome tão ampla como os territórios de Deus
e serei salvo.
Empresta-me o teu cardume de sonho e de desejo
o teu livro de rezas e manufaturas
a poção com que se faz um barco,
uma espiga, uma estrela
uma bússola, um epitáfio, um pássaro
e possuirei as esquinas de Manhattan,
os subúrbios de Paris
as tardes de tua adolescência conspurcada
a tua bandeira de fé projetada no vácuo
donde entrarei cantando na claridade de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a tua oficina e afinemos os barcos
para que singrem como estilete as águas
empresta-me no espelho a tua face imóvel
repetida no verso, como num lago
e entrarei na baía de todos os santos de Deus como num monastério
e serei salvo.
Empresta-me a tua história, a lenda que habitavas
teu cajado, a tua figura de pastor e o teu rebanho de cabras
e serei como a canção de tua boca
e entrarei no ouvido de Deus
e serei salvo.
Empresta-me o teu reino e os teus vassalos
o cavalo que um dia sonhaste galopando em alto-mar
o salto que ele dava e que anulava a distância
entre o mergulho no abismo e o teu afeto
e penetrarei triunfante como um dardo
na escuridão do olhar de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a fração de mar que refletiu teu rosto
onde a primeira ruga era um pombo musicado
a rua clara conduzindo ao impossível
terreno donde se espalha o combate
entre o anjo bom que colhe o verso
e o anjo mau que dissemina o sargaço,
e estarei cantando como urutau que subsiste
às intempéries da atual falta de canto
e entrarei na partitura do próprio canto de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a tua retina e o que nela se enquadra
e empresta-me a paz de teus lábios cerrados
(não para sempre,
mas enquanto dormes)
e cantarei com a voz da tempestade como um novo dilúvio
e entrarei no sono de Deus
e serei salvo.
Empresta-me o que restou de voz ao filho pródigo
o que sobrou do banquete natalino dos mendigos
empresta-me a insônia do que viveu mais pobre
porque tudo o que tinha era nada
e estarei cantando como quem pede
um lugar para sempre na simplicidade de Deus
e serei salvo.
Empresta-me as embarcações mais frágeis
as rotas ignoradas e os versos inacabados
empresta-me o degredo do que não teve pátria
nem dinheiro, nem endereço, identidade, vida ou morte
e estarei cantando, assim como quem passa
a vida inteira diante de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a cerração mais densa e o luar mais baço
empresta-me o teu olho esquerdo
(que o direito pode fazer falta)
e empresta-me a tua história que repete
a pupila do eterno enquanto passo
e estarei cantando como quem abre
o guarda-chuva da proteção que vem de Deus
e serei salvo.
Empresta-me o teu catre
e nele o que foi sonho
principalmente empresta-me o teu sinete
as carpideiras que te amaram e que se foram
as amantes que te consumiram e já nem te comovem,
o ar que penetrando os teus pulmões
voltou como verso e como canto redimido
e entrarei nos domínios de Deus com no domingo mais claro
um eterno domingo na madrugada de Deus
e serei salvo.
Empresta-me a tua coleção de antúrios e o teu cão de guarda
as canções que tombaram à porta de tua morada
até que chegue o sol e até que chegue a lua
até que chegue a nova eternidade
que existe depois de Deus e do abismo
e serei salvo.
3 comentários:
Lendo o poema, vi que faltavam alguns versos. Corrigi, conferindo com o original. Em princípio, está correto, tal como foi escrito. Deixo, com a correção, um pedido de desculpas. Francisco Poeta-maior de Carvalho, para quem mandei o original e o fez publicar no Diário do Nordeste, saberá entender e desculpar a falha. Aliás, no jornal saiu com erro também. Geraldo Reis
gostei. Muito bom
Mário cleber (aexam)
Registrei, alhures, seu passamento,querido Mário, quando programávamos um encontro pessoal, já que não pude comparecer ao lançamento de seu último livro. Fica esse registro. E, muito sentida, a palavra SAUDADE!
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