23/09/2020

A GRAVIDEZ DA PEDRA

 

A GRAVIDEZ 

DA PEDRA

 

                   Geraldo Reis


Os homens não consideraram a gravidez da pedra

E não consideraram o quanto a pedra era triste.

Não consideraram se nela havia ouro,

se a pedra era um sonho

se a pedra era rua

se a pedra era canto

se embalava os pássaros 

se dominava a distância.


Os homens não se deram conta 

de que a pedra era feita 

de um certo elemento

que era o próprio homem. 


De um certo minério que havia no sangue 

e fazia a memória 

do que no homem era pedra,

do que na pedra era homem.


O homem passou pela pedra  sem notar 

a gestação do menino que havia na pedra  

quanto era pedra na pedra  

o quanto era sonho.


O que era cobiça  

que era pesadelo 

o que era vício 

que era abdome.


Os homens não consideraram

os tímpanos da pedra 

o útero da pedra      

os medos da pedra 

os imponderáveis mistérios da pedra

o segredo imemorial que levava no ventre.  


E não consideraram os caminhos apontados

pelos rumos impolutos da pedra 

O degredo que representava a pedra 

A redenção que viria da pedra 

A postura interior da pedra

A transfiguração que viria 

do lado sobremaneira esquerdo da pedra 

O alumbramento talvez de possuí-la. 


E não consideraram o que na pedra era pedra

O que na pedra era homem

O que na pedra era argila.


Os homens não consideraram os artifícios da pedra

Os conflitos íntimos da pedra 

O silêncio interior da pedra 

O compromisso de monumento da pedra 

sacrifício peridural da pedra. 


Não consideraram os limites humanos da pedra 

A complexa dimensão da pedra 

As severas dificuldades da pedra 

na sua existência frágil.

 

A vida inteira passamos pela pedra 

Sem considerar o que na pedra é pedra 

O que na pedra é útero 

O que na pedra é homem.


A  vida inteira o homem caminha de mãos dadas com a pedra. 


Com a paciência da pedra, 

o homem dorme 

com o cansaço da pedra,  

anoitece.


Com a sabedoria da pedra é que se multiplica, 

com o segredo da pedra é que se renova.


A vida inteira o homem 

ignora a pedra que o acompanha


A pedra que é a sua sombra 

e que nele dorme 


A pedra que é a sua memória 

que recebe o seu nome.