23/11/2023

ENQUANTO AS ORQUÍDEAS NÃO CANTAM

 

ENQUANTO AS ORQUÍDEAS NÃO CANTAM

                                      

                     Geraldo Reis

  

Enquanto as orquídeas não cantam

escorpiões de outubro dormem no alambrado

escorpiões de março 

apagam a memória recente dos dias.

 

Nos outros meses do ano

os elefantes impedem os escorpiões 

de andar ao ar livre

e até de respirar.

 

Temem pelas orquídeas que serão doadas

vendidas

despachadas,

 

e haverão de desaparecer

antes da retomada de fôlego dos lagartos.


E enquanto as orquídeas não cantam

reajustam-se os calendários.   

 

               BH 06/NOV/2023

10/11/2023

SABARÁ

 


SABARÁ

 

 

                Geraldo Reis

 

 

Renascerão das bromélias

nossos mitos à margem 

do Rio das Velhas. 

 

Renascerão em alto-mar

para morrer de novo

 

Nossos  mitos alheios 

às dores do povo.

 

     BH 26/JUN/2022

 









19/10/2023

NO VÃO DO QUE RESTOU DE TUA BOCA

 

NO VÃO

DO QUE RESTOU 

DE TUA BOCA

 

Geraldo Reis

 

No vão do que restou de tua boca

as montanhas seriam represadas 

              contra o crepúsculo.

 

No estábulo

naquela hora

naquele janeiro,

 

estaríamos orando de mãos 

                            dadas 

para que o amor inútil

                fosse ressuscitado.

 

Orávamos em vão!

 

A ressurreição das coisas de amor 

seria apenas uma ideia

um delírio

um descompasso,

 

a noção, 

distanciada embora,

de um possível naufrágio.

 

Ainda assim, 

ficaríamos ali,

na chuva de um janeiro 

que se prolonga invertebrado.

 

Ficaríamos ali,

espaventando para longe

um círculo de fogo-fátuo,

seus fragmentos,

seus fantasmas, 

 

e o ruído das máquinas ferozes 

            que não fomos,

e o estrídulo das cachoeiras incendiadas 

             que plantamos.

 

A sós

e abraçados

ficaríamos olhando a paisagem

como dois barcos ajoelhados  

que embora cegos

se contemplam extasiados

 

e se agarram      

e se assustam

e se comovem 

 

com os gemidos milimétricos de uma aranha,

ponto minúsculo do amor 

que se contorce

na molécula vermelha da aurora 

posta ao sol

 

espetada

                                         

na madrugada de sangue incerto do crepúsculo.

 

BH.19/outubro/2023.