Geraldo Reis
Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo.
(Cruz e Sousa, Últimos Sonetos, p. 18.)
Como quem pôde dormir na tua intimidade, e se acostumando
contigo não calcula, nem de longe, a falta que fazes
Como quem não teve paz porque te quis um dia
para querer-te depois o tempo todo e toda eternidade
Como quem se esgota sangrando e esconde
repetidos sobressaltos diante de teu porte
Como quem se disfarça na tua presença e rumina
a verde esperança, como dizem, de um dia pernoitar-te
Como quem não se revela aos deuses novos ainda vivos
nem aos deuses antigos que escaparam mortos
e esconde de ti, de si mesmo, de estranhos e dos íntimos,
essa dor que não cessa e que se multiplica
Como quem se dilacera com o natural comedimento de teu riso
e abomina o teu gesto de amor em direção a outrem
Como quem se inflama repleto de desejo
na vontade mil vezes reprimida de abraçar-te
e se mostra indiferente como se não te desejasse
e não se ferisse todo por dentro, e não sangrasse, e até
não se morresse diante dos que te possuíram toda
- e por inteiro, - e te possuindo logo te olvidaram
Como quem reza para que acabe a festa,
levando os teus pares para o mundo das trevas
Como quem tenta ao piano acordes inéditos para despertar-te
agora que fazes a viagem-não, a infeliz viagem, indesejável e imprevista,
Como quem perde o entendimento de tudo, o entendimento
das coisas simples como o desabrochar dos dias, tão natural,
Dos gestos interrompidos, e das rosas que ontem colhias
e que hoje foram ao teu sepultamento,
r e p o u s o.
Repouso e tento crer na vida eterna
para na vida eterna encontrar-te
E ao encontrar-te, perder-me
nos inacessíveis abismos que não entregas à terra
E que haverão de salvar-me da colheita irreversível,
preservando-me do tempo e de toda enfermidade
e do pântano
e das trevas
e do efêmero.
Geraldo Reis – BH 29.10.2002