NO VÃO
DO QUE RESTOU
DE TUA BOCA
Geraldo Reis
No vão do que restou de tua boca
as montanhas seriam represadas contra o crepúsculo.
No estábulo
naquela hora
naquele janeiro
estaríamos orando de mãos dadas
para que o amor inútil fosse ressuscitado.
Orávamos em vão!
A ressurreição das coisas de amor
seria apenas uma ideia
um delírio
um descompasso,
a noção,
distanciada embora,
de um possível naufrágio.
Ainda assim,
ficaríamos ali,
na chuva de um janeiro
que se prolonga invertebrado.
Ficaríamos ali,
espaventando para longe
um círculo de fogo-fátuo,
seus fragmentos,
seus fantasmas,
e o ruído das máquinas ferozes
que não fomos,
e o estrídulo das cachoeiras incendiadas
que plantamos.
A sós
e abraçados
ficaríamos olhando a paisagem
como dois barcos ajoelhados
que embora cegos
se contemplam extasiados
e se agarram
e se assustam
e se comovem
com os gemidos milimétricos de uma aranha,
ponto
minúsculo do amor que se contorce
na molécula vermelha da aurora
posta ao sol,
espetada
na madrugada de sangue incerto do crepúsculo.
BH.19/outubro/2023.