17/09/2024

DURANDO ENTRE VINDIMAS

 

 

Vindimar  - v. 1 - Tr. dir. Fazer a vindima de. 2. Intr. Fazer a vindima. 3. Dar cabo de; destruir, dizimar. 4. Tr. dir. Matar, assassinar. (Cf. Dicionário Aurélio).




DURANDO  

ENTRE 

VINDIMAS

 


             Geraldo Reis

 

Pág. 17 - Do livro de mesmo título; Prêmio Cidade de Belo Horizonte 1988, para Poesia, Editora UFMG, Belo Horizonte - Ano de publicação: 1990.


      

Ó meu Padre Cruz
Por que me vens nessa hora
E me acenas com o teu terço de lágrimas
Se há tempos te conduzimos à Escada de Jacó,
De madeira e limo feita embora?

Por que me vens de sobrecenho cerrado
Arrastando chinelos avoengos
com novos rumores que suponho velhas rezas?

Por que me apontas um caminho de luz
que é de repente o vão de um precipício?

Oh, meu velho confessor,
Quero o livro do Deuteronômio e paramentos
Sobrepeliz, estola e capa de asperges
E manhãs de plantio e de colheita
Num tanque de açucenas e regalos.

Retumbam dentro da noite chuvosa e do dia vertical
Meus gritos de ovelha desgarrada diante do pelourinho
Principalmente, os meus silêncios de ovelha,
Durando entre vindimas.

13/04/2024

AQUARELA VIÚVA

                        


AQUARELA VIÚVA

(Minimamente barroco)

 

             

            Geraldo Reis

 


A viuvez do minério

no poema que é mistério

já se ressente passado.

 


O sol que é sobre a vivenda

na malha dessa comenda

rumina o couro do gado.

 


BH - 04/01/2019 (GR.)

 

 

       


26/02/2024

A PROCISSÃO ACESA EM GUAYAQUIL

 

A PROCISSÃO ACESA EM GUAYAQUIL

 

(Por enquanto,

a procissão acesa 

apenas 

excita a escuridão do barco)

 

Geraldo Reis

 

A procissão excita a escuridão do barco

encontrado 

entre os pertences-de-bolso do afogado.

 

A procissão acesa pulsa

no interior da praia iluminada 

quando

um exército de pescadores mortos 

se recorta ao longe

e grita a plenos pulmões 

o nome do afogado.

 

A procissão acesa para de repente quando

um relógio se retrai no temporal cifrado

e recolhe frações desse vitral que franze

um solidéu de areia nos olhos do afogado.

 

A procissão acesa lavra um testamento 

quando

esse resumo de um tempo interrompido 

rasga

numa cartilha de sangue 

a terra prometida no bolso do afogado.

 

É como se o vento soprado de outras horas

tocando as velas sazonais do barco o mastigasse

com os dente hirtos de areia 

no deserto febril de bolso do afogado.

 

É como se o verbo

soprado de outros ermos 

vencendo as iras do barco o engolisse

com a garganta enlouquecida de uma dama

que era o menor enigma de bolso do afogado.


A procissão acesa

com intenções de fuga se diverte e guarda

pernas e braços aquáticos encontrados

entre os pertences-de-bolso do afogado.

 

E agora que tudo se recolhe,

as aspas arquejando,

um rebanho de luzes empurra para longe

um carrossel incendiado quando

entre preces-de-bolso do afogado.

 

Já distanciada a procissão gorjeia

um canto em preto-e-branco espaventado

e atravessa o estômago de areia

do relógio de bolso do afogado.

 

O primeiro sino de luz

na manhã ruborizada

abre repiques de amém

na praia abandonada quando

lacrimejaram Deus no bolso do afogado.

 

A fímbria em verde-e-branco,

um tanto azul-e-amarela,

do tempo entronizado em cantos mil

acorda em posição de sentinela...

 

A procissão excita 

a escuridão do barco em aquarela

rumo a nova madrugada em Guayaquil


e grita a plenos pulmões 

com a garganta de um relógio 

        enlouquecido,

        em chamas 

no interior da catedral que chama,

por entre os dentes de Deus, 

o nome do afogado. 


A procissão excita para sempre 

a escuridão do barco 

ancorado na cartilha de sangue

    entre enigmas e achados 

        entre achados e perdidos

            entre achados incolores 

                e invisíveis alaridos

sobretudo entre duendes 

enlouquecidos

e tudo que talvez não seja

ou nunca tenha sido,

de fato, 

um pertence-de-bolso do afogado.

 

Talvez a mancha de areia 

no pulmão do tempo 

seja uma fisgada de luz,

terrível como relâmpago,

no coração de areia dos homens

no coração de areia do afogado.  


Mas, enfim...

 

seja tudo em nome 

desse canto atravessado

na garganta varonil

do tempo entronizado.

 

Por enquanto a procissão acesa 

apenas 

excita a escuridão do barco.

 

Que do templo encomendado em cantos mil

venha a nós o vosso reino,  

como removedor de manchas que apague

abusos do arpoador e que renove 

nossa carne de areia em Guayaquil. 

 

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Nota: Guayaquil, oficialmente, Santiago de Guayaquil, 

é a maior cidade do Equador. 

E é, também, o principal porto do país. 


                    Belo Horizonte/MG - Outubro/2023.

POESIA NA ESTANTE

  • 50 POEMAS (Antologia bilíngue: Português e Alemão) - Anderson Braga Horta / Tradução de Curt Meyr-Clason)
  • A CONTINGÊNCIA DO SER - Célio César Paduani
  • A INSÔNIA DOS GRILOS - Jorge Tufic
  • A RETÓRICA DO SILÊNCIO - Gilberto Mendonça Teles
  • A ROSA DO POVO - Carlos Drummond de Andrade
  • A SOLEIRA E O SÉCULO - Iacyr Anderson Freitas
  • A VACA E O HIPOGRIFO - Mário Quintana
  • AINDA O SOL - Gabriel Bicalho
  • ARTE DE ARMAR - Gilberto Mendonça Teles
  • ARTEFATOS DE AREIA - Francisco Carvalho
  • AS IMPUREZAS DO BRANCO - Carlos Drummond de Andrade
  • BARCA DOS SENTIDOS - Francisco Carvalho
  • BARULHOS - Ferreira Gullar
  • BAÚ DE ESPANTO - Mário Quintana
  • BICHO PAPEL - Régis Bonvicino
  • CADERNO H - Mário Quintana
  • CANTATA - Yeda Prates Bernis
  • CANTIGA DE ADORMECER TAMANDUÁ E ACORDAR UNS HOMENS - Pascoal Motta
  • CANTO E PALAVRA - Affonso Romano de Sant'Anna
  • CARAVELA - REDESCOBRIMENTOS - Gabriel Bicalho
  • CENTRAL POÉTICA - Lêdo Ivo
  • CONVERSA CLARA - Domingos Pelegrini Jr.
  • CORPO PORTÁTIL - Fernando Fiorese
  • CRIME NA FLORA - Ferreira Gullar
  • CRISTAL DO TEMPO & A COR DO INVISíVEL - Maria do Rosário Teles do invisível
  • DIÁRIO DO MUDO - Paulinho Assunção
  • DICIONÁRIO MÍNIMO - Fernando Fábio Fiorese Furtado
  • DUAS ÁGUAS - João Cabral de Melo Neto
  • ELEGIA DO PAÍS DAS GERAIS - Dantas Motta
  • ESTESIA (Triolés) - Napoleão Valadares
  • FANTASIA - Napoleão Valadares
  • FINIS TERRA - Lêdo Ivo
  • GUARDANAPOS PINTADOS COM VINHO - Jorge Tufic
  • HORA ABERTA - Gilberto Mendonça Teles
  • HORTA (Versos em Três Tempos) - Anderso de Araújo Horta - Maria Braga Horta e Anderson Braga Horta
  • INVENÇÃO DE ORFEU - Jorge de Lima
  • LAVRÁRIO - Márcio Almeida
  • LIRISMO RURAL (O Sereno do Cerrado) - Gilberto Mendonça Teles
  • MEL PERVERSO - Márcio Almeida
  • MELHORES POEMAS - Paulo Leminski
  • NARCISO - Marcus Accioly
  • O ESTRANHO CANTO DO PÁSSARO - Célio César Paduani
  • O ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA - Cecília Meirelles
  • O SONO PROVISÓRIO - Antônio Barreto
  • O TERRA A TERRA DA LINGUAGEM - Gilberto Mendonça Teles
  • OS MELHORES POEMAS DE FERREIRA GULLAR - Ferreira Gullar
  • PASTO DE PEDRA - Bueno de Rivera
  • PLURAL DE NUVENS - Gilberto Mendonça Teles
  • POEMA SUJO - Ferreira Gullar
  • POEMAS REUNIDOS - Gilberto Mendonça Teles
  • POEMAS REUNIDOS - João Cabral de Melo Neto
  • POESIA REUNIDA - Jorge Tufic
  • RETRATO DE MÃE - Jorge Tufic
  • SIGNO (Antologia Metapoética) - Anderson Braga Horta
  • VER DE BOI - Pascoal Motta
  • VESÂNIA - Márcio Almeida
  • VIANDANTE - Yeda Prates Bernis