A GRAVIDEZ
DA PEDRA
Geraldo Reis
Os homens não consideraram a gravidez da pedra
E não consideraram o quanto a pedra era triste.
Não consideraram se nela havia ouro,
se a pedra era um sonho
se a pedra era rua
se a pedra era canto
se embalava os pássaros
se dominava a distância.
Os homens não se deram conta
de que a pedra era feita
de um certo elemento
que era o próprio homem.
De um certo minério que havia no sangue
e fazia a memória
do que no homem era pedra,
do que na pedra era homem.
O homem passou pela pedra sem notar
a gestação do menino que havia na pedra
o quanto era pedra na pedra
o quanto era sonho.
O que era cobiça
o que era pesadelo
o que era vício
o que era abdome.
Os homens não consideraram
os tímpanos da pedra
o útero da pedra
os medos da pedra
os imponderáveis mistérios da pedra
o segredo imemorial que levava no ventre.
E não consideraram os caminhos apontados
pelos rumos impolutos da pedra
O degredo que representava a pedra
A redenção que viria da pedra
A postura interior da pedra
A transfiguração que viria
do lado sobremaneira esquerdo da pedra
O alumbramento talvez de possuí-la.
E não consideraram o que na pedra era pedra
O que na pedra era homem
O que na pedra era argila.
Os homens não consideraram os artifícios da pedra
Os conflitos íntimos da pedra
O silêncio interior da pedra
O compromisso de monumento da pedra
O sacrifício peridural da pedra.
Não consideraram os limites humanos da pedra
A complexa dimensão da pedra
As severas dificuldades da pedra
na sua existência frágil.
A vida inteira passamos pela pedra
Sem considerar o que na pedra é pedra
O que na pedra é útero
O que na pedra é homem.
A vida inteira o homem caminha de mãos dadas com a pedra.
Com a paciência da pedra,
o homem dorme
com o cansaço da pedra,
anoitece.
Com a sabedoria da pedra é que se multiplica,
com o segredo da pedra é que se renova.
A vida inteira o homem
ignora a pedra que o acompanha
A pedra que é a sua sombra
e que nele dorme
A pedra que é a sua memória
e que recebe o seu nome.