AQUARELA VIÚVA
Geraldo Reis
A viuvez do
minério
no poema que
é mistério
já se
ressente passado.
O sol que é
sobre a vivenda
na malha
dessa comenda
rumina o
couro do gado.
BH -
04/01/2019 (GR.)
Poemas de Geraldo Reis & Convidados (... e eu me sentia, mais por isso, irmão das águas, o irmão menor de todos os rios do mundo - in JOGAR BRIGDE)
AQUARELA VIÚVA
Geraldo Reis
A viuvez do
minério
no poema que
é mistério
já se
ressente passado.
O sol que é
sobre a vivenda
na malha
dessa comenda
rumina o
couro do gado.
BH -
04/01/2019 (GR.)
A PROCISSÃO ACESA EM GUAYAQUIL
Geraldo Reis
A procissão excita a escuridão do barco
encontrado entre os pertences-de-bolso do afogado.
A procissão acesa pulsa
no interior da praia iluminada quando
um exército de pescadores mortos se recorta ao longe
e grita a plenos pulmões o nome do afogado.
A procissão acesa para de repente quando
um relógio se retrai no temporal cifrado
e recolhe frações desse vitral que franze
o mundo de areia nos olhos do afogado.
A procissão acesa lavra um testamento quando
esse resumo de um tempo interrompido rasga
uma cartilha de sangue no bolso do afogado.
É como se o vento soprado de outras horas
tocando as velas sazonais do barco o mastigasse
com os dentes hirtos de areia
num deserto em chamas no bolso do afogado.
É como se o verbo soprado de outros ermos
vencendo as iras do barco o engolisse
com a garganta enlouquecida de uma dama
que era o menor enigma de bolso do afogado.
A procissão acesa
com intenções de fuga se diverte e guarda
pernas e braços aquáticos encontrados
entre os pertences-de-bolso do afogado.
E agora que tudo se recolhe,
as aspas arquejando,
um rebanho de luzes empurra para longe
um carrossel incendiado quando
entre preces-de-bolso do afogado.
Já distanciada a procissão gorjeia
um canto em preto-e-branco espavorido
e atravessa o estômago de areia
do relógio de bolso do afogado.
O primeiro sino de luz
na manhã ruborizada
abre repiques de amém
na praia abandonada quando
lacrimejaram Deus no bolso do afogado.
A fímbria em verde-e-branco,
um tanto azul-e-amarela,
do tempo entronizado em cantos mil
acorda em posição de sentinela...
A procissão excita o barco em aquarela
rumo a nova madrugada em Guayaquil
e grita a plenos pulmões
com a garganta
de um relógio enlouquecido
em chamas
no interior da catedral que chama,
por entre os dentes de Deus,
o nome do afogado.
A procissão excita para sempre a escuridão do barco
ancorado na cartilha de sangue
entre enigmas e achados
entre achados e perdidos
entre achados incolores e invisíveis alaridos
sobretudo entre duendes enlouquecidos
e tudo que talvez não seja
ou nunca tenha sido
de fato,
um pertence-de-bolso do afogado.
Talvez a mancha de areia no pulmão do tempo
seja uma fisgada de luz,
terrível como relâmpago,
no coração de areia dos homens
no coração de areia do afogado.
Mas, seja tudo em nome
desse canto atravessado
na garganta varonil
do tempo entronizado.
A procissão acesa excita
a escuridão do barco em Guayaquil...
Que do templo encomendado
em cantos mil...
venha a nós o vosso reino
e que renove
nossa nova madrugada em Guayaquil.
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Nota: Guayaquil, oficialmente, Santiago de Guayaquil,
é a maior cidade do Equador.
E é, também, o principal porto do país.
Belo Horizonte/MG - Outubro/2023.
ENQUANTO AS ORQUÍDEAS NÃO CANTAM
Geraldo Reis
Enquanto as
orquídeas não cantam
escorpiões
de outubro dormem no alambrado
escorpiões de março
apagam a memória recente dos dias.
Nos outros
meses do ano
os elefantes impedem os escorpiões
de andar ao ar livre
e até de
respirar.
Temem pelas
orquídeas que serão doadas
vendidas
despachadas
e haverão de
desaparecer
antes da
retomada de fôlego dos lagartos.
Nos outros
meses do ano
enquanto as
orquídeas não cantam
reajustam-se
os calendários.
BH
06 / NOV / 2023
SABARÁ
Geraldo Reis
Renascerão das bromélias
nossos mitos à margem
do Rio das Velhas.
Renascerão em alto-mar
para morrer de novo
Nossos mitos alheios
às dores do povo.
BH 26/JUN/2022