A PROCISSÃO ACESA EM GUAYAQUIL
(Por enquanto,
a procissão acesa
apenas
excita a escuridão do barco...
por enquanto.)
Geraldo Reis
A procissão excita
a escuridão do barco encontrado
entre os pertences-de-bolso do afogado.
A procissão acesa pulsa
no interior da praia iluminada quando
um exército de pescadores mortos
se recorta ao longe
e grita a plenos pulmões
o nome do afogado.
A procissão acesa para
de repente quando
um relógio se retrai no temporal cifrado
e recolhe frações desse vitral que franze
um solidéu de areia nos olhos do afogado.
A procissão acesa lavra
um testamento quando
esse resumo de um tempo
interrompido rasga
numa cartilha de sangue
a terra prometida no bolso do afogado.
É como se o vento
soprado de outras horas
tocando as velas sazonais
do barco o mastigasse
com os dente hirtos de areia
no deserto febril de bolso do afogado.
É como se o verbo
soprado de outros ermos
vencendo as iras do barco o engolisse
com a garganta enlouquecida
de uma dama que seria
o menor enigma de bolso do afogado.
A procissão acesa
com intenções de fuga se diverte e guarda
pernas e braços aquáticos encontrados
entre os pertences-de-bolso do afogado.
E agora que tudo se recolhe,
as aspas arquejando,
um rebanho de luzes empurra para longe
um carrossel incendiado quando
entre preces-de-bolso do afogado.
Já distanciada a procissão gorjeia
um canto em preto-e-branco espaventado
e atravessa o estômago de areia
do relógio de bolso do afogado.
O primeiro sino de luz
na manhã ruborizada
abre repiques de amém
na praia abandonada quando
lacrimejaram Deus no bolso do afogado.
A fímbria em verde-e-branco,
um tanto azul-e-amarela,
do tempo entronizado em cantos mil
acorda em posição de sentinela...
A procissão excita
a escuridão do barco em aquarela
rumo a nova madrugada em Guayaquil
e grita a plenos pulmões
com a garganta de um relógio
enlouquecido,
em chamas
no interior da catedral que chama,
por entre os dentes de Deus,
o nome do afogado.
A procissão excita para sempre
a escuridão do barco
ancorado na cartilha de sangue
entre enigmas e achados
entre achados e perdidos
entre achados incolores
e invisíveis alaridos
sobretudo entre duendes
enlouquecidos
e tudo que talvez não seja
ou nunca tenha sido,
de fato,
um pertence-de-bolso do afogado.
Talvez a mancha de areia
no pulmão do tempo
seja uma fisgada de luz,
terrível como relâmpago,
no coração de areia dos homens
no coração de areia do afogado.
Mas, enfim...
seja tudo em nome
desse canto atravessado
na garganta varonil
do tempo entronizado.
Por enquanto a procissão acesa
apenas
excita a escuridão do barco.
Que do templo encomendado
em cantos mil,
venha a nós o vosso reino,
com removedores
de manchas
que apaguem
abusos ao arpoador
e que renovem
nossa carne de areia morta em Guayaquil.
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Nota: Guayaquil, oficialmente, Santiago de Guayaquil,
é a maior cidade do Equador.
E é, também, o principal porto do país.
Belo Horizonte/MG - Outubro/2023.
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