07/08/2025

ACALANTO DE PAPEL PARA UM AMIGO VERDE

ACALANTO DE PAPEL PARA UM AMIGO VERDE 

(Para Pascoal Motta, amigo e mestre, autor de VER DE BOI, poemas - Prêmio Cidade de Belo Horizonte 1973, cujo texto das orelhas redigi). 

            Geraldo Reis

 
I

Com as digitais do vento 
gravarei teu nome 
nas asas das aves 

com as digitais do voo 
gravarei teu nome 
nas púrpuras do azul 

com as digitais do gado 
gravarei teu nome 
na amplidão do berro 

com as digitais do futuro 
gravarei teu nome 
no brilho da promessa 

com as digitais da manhã 
gravarei teu nome 
na epiderme do dia 

com as digitais do canto 
gravarei teu nome 
na ossatura da pauta 

com as digitais do encontro 
gravarei teu nome 
na pele da ausência 

com as digitais dos lanhos 
gravarei teu nome 
na permanência do sangue 

com as digitais da escuta 
gravarei teu nome 
no ouvido da noite 

com as digitais de exílio 
gravarei teu nome 
na embarcação dos afogados

com as digitais da idade 
gravarei teu nome 
no coração do tempo 

com as digitais da permanência 
gravarei teu nome 
no aperto de mãos para sempre adiado.

II 

Onde se acautelam de novas borrascas 
o hálito impuro de Deus e o barro novo ainda imóvel 
escreverei teu nome 

onde a graminácea é como um pôr-de-sol bovino 
na celebração pacífica das heras envolvendo 
a estrela que há de domar o pântano
mais escreverei teu nome 

onde o décimo algarismo abafará toda metáfora 
e toda viagem e toda efígie e todo verde 
escreverei teu nome 

onde os últimos bardos 
serão precipitados com seus versos 
e com seus barcos 
e com seus remos e salmos como sementes vencidas 
escreverei teu nome 

onde os poemas tão somente imaginados 
estarão dormindo para sempre como no fundo 
de uns olhos verdes já mortiços, 
apagados, talvez, quem sabe, 
mais e mais escreverei teu nome.

III 

Teu nome 
que é ouro 
vencendo a indiferença dos búzios 
        e da distância 

teu nome 
que é porto 
domando a ira das águas 
        e dos abismos 

teu nome 
que é susto 
vencendo a indiferença dos galos 
        e dos embrulhos 

teu nome 
que é verde 
dominando toda a extensão 
        dos pântanos e da clorofila 

teu nome 
que é memória 
e que reverdece a metáfora 
na gestação da ausência.

IV 

Aqui se acautelam de novas borrascas 
o hálito impuro de deus 
e o barro novo ainda imóvel 

aqui, o abismo será vero esquecimento 
depois que o teu corpo imolado 
se repetir na pupila dos afagos 

aqui, vencendo a rocha, 
a dura eternidade e as acácias 
escreverei teu nome 

aqui, na esquina dos antigos versos 
                do que foi Minas, 
e do que foi um dia a tua infância 
em territórios remotos, barrocos e pastoris 
escreverei teu nome 

aqui, durando como os martelos de teu pai 
     apascentando pesados fardos de sol          
        para sapatos e arreios 
           donde pisar a eternidade e cavalgar o sono 
escreverei teu nome 

aqui, onde o barro novo se debate 
        ao sopro impuro de Deus 
e se contorce de um novo nascimento
     ao lado de tua mãe soprando 
        o fogo da poesia no cerne da candeia 
escreverei teu nome 

teu nome que é paz 
    qual bandeira hasteada na memória do vento 
qual memória que é luz afável e permanente 
 
escreverei  teu nome que é fogo 
que é verde e que atravessa 
 
incólume
 
a escura montanha do vero esquecimento. 
                  
                (Geraldo Reis)

28/02/2025

REVISTA URUCUIANA DE LETRAS N° 2

 

REVISTA URUCUIANA DE LETRAS - 2 
 
 
Comunicando ao Poeta Napoleão Valadares o recebimento da Revista Urucuiana de Letras n° 2. 
 
Meu caro, prezado e querido Poeta, depois de demorado silêncio, retomando o contato inexplicavelmente interrompido, apareço para dizer que recebi e tomei conhecimento de que que a Academia Urucuiana veio pra ficar, veio pra valer. Registre-se, à custa do empenho, "engenho e arte" do valoroso presidente. 
 
Só um intelectual de destaque e sobremaneira sensível faria esse trabalho. 
 
Mas é isso, determinadas tarefas, desde sempre, estão reservadas àqueles que, raros, pensam com o coração, daí o respeito e a admiração que tenho por você e pela sua poesia. Aliás, pelo seu trabalho no campo da cultura em geral. 
 
Deixo-lhe, mais uma vez, forte abraço poético, barroco e jurídico. 
Ah, jurídico... sabemos, essa uma luta sem fim. E sabemos também do desgaste para nos mantermos atualizados. A vida passa muito rápido. Com isso acabamos fazendo outras coisas que são empecilhos ou entraves. Necessários, é verdade, porque nem tudo são flores,  e "o viver é muito perigoso" na expressão de Rioboaldo (Guimarães Rosa).
 
Espero que tudo esteja bem com você e com os nossos amigos, Anderson e Danilo. Estou certo de que você vai, pessoalmente, abraçá-los por mim.
Finalmente, queira-me bem e, com certeza, estará retribuindo meu bem-querer.
 
GR - 
 
BH- 28/02/2025.

--

17/09/2024

DURANDO ENTRE VINDIMAS

 

 

Vindimar  - v. 1 - Tr. dir. Fazer a vindima de. 2. Intr. Fazer a vindima. 3. Dar cabo de; destruir, dizimar. 4. Tr. dir. Matar, assassinar. (Cf. Dicionário Aurélio).




DURANDO  

ENTRE 

VINDIMAS

 


             Geraldo Reis

 

Pág. 17 - Do livro de mesmo título; Prêmio Cidade de Belo Horizonte 1988, para Poesia, Editora UFMG, Belo Horizonte - Ano de publicação: 1990.


      

Ó meu Padre Cruz
Por que me vens nessa hora
E me acenas com o teu terço de lágrimas
Se há tempos te conduzimos à Escada de Jacó,
De madeira e limo feita embora?

Por que me vens de sobrecenho cerrado
Arrastando chinelos avoengos
com novos rumores que suponho velhas rezas?

Por que me apontas um caminho de luz
que é de repente o vão de um precipício?

Oh, meu velho confessor,
Quero o livro do Deuteronômio e paramentos
Sobrepeliz, estola e capa de asperges
E manhãs de plantio e de colheita
Num tanque de açucenas e regalos.

Retumbam dentro da noite chuvosa e do dia vertical
Meus gritos de ovelha desgarrada diante do pelourinho,
Principalmente, os meus silêncios de ovelha,
Durando entre vindimas.

13/04/2024

AQUARELA VIÚVA

                        


AQUARELA VIÚVA

(Minimamente Barroco)

 

             

            Geraldo Reis

 


A viuvez do minério

no poema que é mistério

já se ressente passado.

 


O sol que é sobre a vivenda

na malha dessa comenda

rumina o couro do gado.

 


BH - 04/01/2019 (GR.)

 

 

       


26/02/2024

A PROCISSÃO ACESA EM GUAYAQUIL

 

A PROCISSÃO ACESA EM GUAYAQUIL

 

(Por enquanto,

a procissão acesa 

apenas 

excita a escuridão do barco...

por enquanto.)

 

Geraldo Reis

 

A procissão excita 

a escuridão do barco encontrado 

entre os pertences-de-bolso do afogado.

 

A procissão acesa pulsa

no interior da praia iluminada quando

um exército de pescadores mortos 

se recorta ao longe

e grita a plenos pulmões 

o nome do afogado.

 

A procissão acesa para 

de repente quando

um relógio se retrai no temporal cifrado

e recolhe frações desse vitral que franze

um solidéu de areia nos olhos do afogado.

 

A procissão acesa lavra 

um testamento quando

esse resumo de um tempo 

interrompido rasga

numa cartilha de sangue  

e ferra 

a terra prometida no bolso do afogado.

 

É como se o vento 

soprado de outras horas

tocando as velas sazonais  

do barco o mastigasse

com os dentes hirtos de areia 

no deserto febril de bolso do afogado.

 

É como se o verbo 

soprado de outros ermos 

vencendo as iras do barco o engolisse

com a garganta enlouquecida 

de uma dama que seria 

o menor enigma de bolso do afogado.


A procissão acesa

com intenções de fuga se diverte 

e guarda

pernas e braços aquáticos encontrados

entre os pertences-de-bolso do afogado.

 

E agora que tudo se recolhe,

as aspas arquejando,

um rebanho de luzes empurra para longe

um carrossel incendiado quando

entre preces-de-bolso do afogado.

 

Já distanciada a procissão gorjeia

um canto em preto-e-branco espaventado

e atravessa o estômago de areia

do relógio de bolso do afogado.

 

O primeiro sino de luz

na manhã ruborizada

abre repiques de amém

na praia abandonada quando

lacrimejaram Deus no bolso do afogado.

 

A fímbria em verde-e-branco,

um tanto azul-e-amarela,

do tempo entronizado em cantos mil

acorda em posição de sentinela...

 

A procissão excita 

a escuridão do barco em aquarela

rumo a nova madrugada em Guayaquil


e grita a plenos pulmões 

com a garganta de um relógio 

        enlouquecido,

        em chamas 

no interior da catedral que chama,

por entre os dentes de Deus, 

o nome do afogado. 


A procissão excita para sempre 

a escuridão do barco 

ancorado na cartilha de sangue

    entre enigmas e achados 

        entre achados e perdidos

            entre achados incolores 

                e invisíveis alaridos

sobretudo entre duendes 

enlouquecidos

e tudo que talvez não seja

ou nunca tenha sido,

de fato, 

um pertence-de-bolso do afogado.

 

Talvez a mancha de areia 

no pulmão do tempo 

seja uma fisgada de luz,

terrível como relâmpago,

no coração de areia dos homens

no coração de areia do afogado.  


Mas, enfim...

 

Seja tudo em nome desse canto atravessado

na garganta varonil do tempo entronizado.

 

Por enquanto 

a procissão acesa 

apenas 

excita a escuridão do barco.

 

Que do templo encomendado  

em cantos mil,

venha a nós o vosso reino,  

com removedores  

de manchas   

que apaguem

abusos ao Arpoador  

e que renovem

nossa carne de areia morta em Guayaquil. 

 

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Nota: Guayaquil, oficialmente, Santiago de Guayaquil, 

é a maior cidade do Equador. 

E é, também, o principal porto do país. 


                    Belo Horizonte/MG - Outubro/2023.

POESIA NA ESTANTE

  • 50 POEMAS (Antologia bilíngue: Português e Alemão) - Anderson Braga Horta / Tradução de Curt Meyr-Clason)
  • A CONTINGÊNCIA DO SER - Célio César Paduani
  • A INSÔNIA DOS GRILOS - Jorge Tufic
  • A RETÓRICA DO SILÊNCIO - Gilberto Mendonça Teles
  • A ROSA DO POVO - Carlos Drummond de Andrade
  • A SOLEIRA E O SÉCULO - Iacyr Anderson Freitas
  • A VACA E O HIPOGRIFO - Mário Quintana
  • AINDA O SOL - Gabriel Bicalho
  • ARTE DE ARMAR - Gilberto Mendonça Teles
  • ARTEFATOS DE AREIA - Francisco Carvalho
  • AS IMPUREZAS DO BRANCO - Carlos Drummond de Andrade
  • BARCA DOS SENTIDOS - Francisco Carvalho
  • BARULHOS - Ferreira Gullar
  • BAÚ DE ESPANTO - Mário Quintana
  • BICHO PAPEL - Régis Bonvicino
  • CADERNO H - Mário Quintana
  • CANTATA - Yeda Prates Bernis
  • CANTIGA DE ADORMECER TAMANDUÁ E ACORDAR UNS HOMENS - Pascoal Motta
  • CANTO E PALAVRA - Affonso Romano de Sant'Anna
  • CARAVELA - REDESCOBRIMENTOS - Gabriel Bicalho
  • CENTRAL POÉTICA - Lêdo Ivo
  • CONVERSA CLARA - Domingos Pelegrini Jr.
  • CORPO PORTÁTIL - Fernando Fiorese
  • CRIME NA FLORA - Ferreira Gullar
  • CRISTAL DO TEMPO & A COR DO INVISíVEL - Maria do Rosário Teles do invisível
  • DIÁRIO DO MUDO - Paulinho Assunção
  • DICIONÁRIO MÍNIMO - Fernando Fábio Fiorese Furtado
  • DUAS ÁGUAS - João Cabral de Melo Neto
  • ELEGIA DO PAÍS DAS GERAIS - Dantas Motta
  • ESTESIA (Triolés) - Napoleão Valadares
  • FANTASIA - Napoleão Valadares
  • FINIS TERRA - Lêdo Ivo
  • GUARDANAPOS PINTADOS COM VINHO - Jorge Tufic
  • HORA ABERTA - Gilberto Mendonça Teles
  • HORTA (Versos em Três Tempos) - Anderso de Araújo Horta - Maria Braga Horta e Anderson Braga Horta
  • INVENÇÃO DE ORFEU - Jorge de Lima
  • LAVRÁRIO - Márcio Almeida
  • LIRISMO RURAL (O Sereno do Cerrado) - Gilberto Mendonça Teles
  • MEL PERVERSO - Márcio Almeida
  • MELHORES POEMAS - Paulo Leminski
  • NARCISO - Marcus Accioly
  • O ESTRANHO CANTO DO PÁSSARO - Célio César Paduani
  • O ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA - Cecília Meirelles
  • O SONO PROVISÓRIO - Antônio Barreto
  • O TERRA A TERRA DA LINGUAGEM - Gilberto Mendonça Teles
  • OS MELHORES POEMAS DE FERREIRA GULLAR - Ferreira Gullar
  • PASTO DE PEDRA - Bueno de Rivera
  • PLURAL DE NUVENS - Gilberto Mendonça Teles
  • POEMA SUJO - Ferreira Gullar
  • POEMAS REUNIDOS - Gilberto Mendonça Teles
  • POEMAS REUNIDOS - João Cabral de Melo Neto
  • POESIA REUNIDA - Jorge Tufic
  • RETRATO DE MÃE - Jorge Tufic
  • SIGNO (Antologia Metapoética) - Anderson Braga Horta
  • VER DE BOI - Pascoal Motta
  • VESÂNIA - Márcio Almeida
  • VIANDANTE - Yeda Prates Bernis