16/08/2009

Osmar Pisani: Nascido para a poesia | CULTURA

OSMAR PISANI: NASCICO PARA A POESIA

Chegou-me via internet, às vésperas do aniversário de Osmar Pisani, que completaria 73 anos no dia 18 de agosto, esse artigo de FRANCISCO SOCORRO, que lhe presta sincera e merecida homenagem.

CULTURA

Nascido para a poesia

Autor de As Paredes do Mundo, Osmar Pisani achava patéticos os que faziam “experiências” com a palavra


É usual celebrar-se a vida e a obra de pessoas renomadas por ocasião de sua partida. Seguindo o padrão, voltamos a lembrá-las a cada data redonda do falecimento: 10, 25, 50 anos, e por aí vai. Destacam-se, então, virtudes humanas, obra e importância na sua área de atuação. No caso de Osmar Pisani, por único e irrepetível, desconheça-se a morte, que a poesia baniu de sua vida, para celebrar, longamente, a dádiva do seu nascimento entre nós e em nosso tempo.

Poeta, sobretudo, e também professor, crítico de arte e companheiro no Conselho Estadual de Cultura, Pisani prossegue na emoção e na palavra dos que foram e tiveram a graça do seu convívio. Homem inteiramente visível, partilhou dúvidas, umas poucas certezas, as alegrias e angústias da sua circunstância de poeta; seu ensinamento.

No processo, lega-nos a condição, que lhe foi epicêntrica, de um sapiens convincente como tal, habitável feito uma casa familiar e acolhedora. Nesse espaço conviveu, convive, a difícil arte dos relacionamentos duradouros e felizes, a exemplo da união de quase cinco décadas com sua companheira Vaiani Kotzias Pisani e a amizade fraterna e exemplar, desde a juventude, com Lindolf Bell e Péricles Prade. Os três formaram o consagrado trio de poetas nascidos no Vale do Itajaí e pertencentes à emblemática geração dos anos 1960. Outro exemplo de amizade duradoura foi a que manteve com Rodrigo de Haro.

Também o vencedor da mais recente edição do prêmio Cruz e Sousa, edição 2008/2009, o catarinense Abelardo da Costa Arantes Júnior, com o romance Cruz no Campo, foi seu amigo fraterno de toda uma vida, dando-se a coincidência de ter Osmar Pisani levado a palma na primeira edição do mesmo prêmio, em 1981 (As Paredes do Mundo, poesia). O júri que validou com o Cruz e Sousa sua condição de poeta era composto por Adonias Filho, Armindo Trevisan, Fausto Cunha, Ferreira Gullar e Marcos Konder. O concurso era considerado, então, o maior prêmio literário do Brasil e, segundo a extinta revista Visão, com ele Santa Catarina passou a ser “o país da poesia”.

Não tenho a veleidade de analisar o legado literário de Osmar Pisani, tarefa da qual intelectuais com a qualificação adequada já se encarregaram. Vale transcrever, por simples e definitiva, a avaliação do escritor Péricles Prade, que sintetiza a presença de Pisani na nossa literatura: “Se, como afirmou Harold Bloom, o verdadeiro critério de identificação de um bom poeta é o fato de o mesmo sobreviver a uma leitura minuciosa, podemos afiançar que essa obra, cuja poeticidade é perceptível de imediato, não só sobreviveu, após ter sido lida com a maior das atenções, mas sobreviverá, tamanha são as suas evidentes qualidades”. Mais do que discorrer sobre um poeta ou arte poética, portanto, quero falar de um amigo.

Seguem alguns fragmentos da biografia de Osmar Pisani, por Osmar Pisani: “Nasci em Gaspar, SC, no dia 18 de agosto de 1936. Meu pai era um sonhador, socialista que sempre entrava em conflito com os poderosos da época. Tinha vindo de Porto Alegre, onde se casara e, depois de Palhoça, foi para Gaspar. Como agente dos Correios e Telégrafos, tinha, naquele tempo, uma certa autoridade, por ser um funcionário federal – juntamente com o prefeito e o juiz. Por isso, e além de uma proteção invisível que vinha da Capital, nunca foi demitido: era sempre removido para outras cidades. Foi assim que, com uma semana de vida, fui para Concórdia, no dia 25 de agosto de 1936. Foi nessa cidade que tive a primeira percepção do mundo, da realidade, o entorno inicial de minha existência, o universo de uma rua de barro vermelho, um morro e uma casa de dois pavimentos. Enfim, tive uma infância com extrema liberdade. Durante o inverno, com o quarto aquecido com latas cheias de brasa, meu pai contava histórias, acrescentando novos personagens e inventando outros. De minha mãe, guardo o perfil moreno, magérrima, e duro de tanto trabalho, apesar de ter uma assistente. Precisava cuidar de sete filhos (....). Sofri um acidente e fiquei imobilizado por seis meses; foi aí que se consolidou a vocação poética: a febre, o delírio, a sensualidade, a luz, o amor, a volúpia, o túnel da morte, tinha ouvido do médico: ‘seu filho vai morrer...’, mas restava um espasmo de vida; via-o do alto e não queria morrer. Acho que a imobilidade me levou à reflexão e à poesia. Quase um ano depois, na adolescência, comecei a escrever. Meu primeiro livro publicado foi O Delta e o Sonho, em 1964”.

Um grande sonho de Vaiani Kotzias Pisani, e certamente de todos que amam a poesia, é ver reunida num único volume a obra completa de Osmar Pisani (O Delta e o Sonho, As Raízes do Vento, As Paredes do Mundo, Vens Volátil como a Paisagem de Del-waux, Versos ao Boi-de-Mamão, este último publicado com o título Variações Lírico-Pictóricas). O poeta deixou inédita sua última obra, Esferas do Espelho.

O poeta Cláudio Viller, numa enquete sobre poesia, encaminhou algumas perguntas a Osmar Pisani em 2001. Trechos de sua longa resposta foram publicados na segunda edição do livro As Paredes do Mundo:

“A rigor, o valor de um poema define-se pela sua linguagem. Como há 5 mil anos foram feitos milhões de poemas e o poeta vai repetir aqueles mesmos temas, penso que somente a linguagem pode ser o diferencial na forma de colocar estes temas. Mas não é só isso: é preciso que a linguagem se transforme no fenômeno poético! O que é isto? Esta é uma questão que gostaria mesmo de polemizar, por isso algumas frases provocativas. Ser poeta é visualizar outro estado de ser. Vejo a poesia como um ser vivo e sagrado em seu desdobramento mítico e inviolável. O conteúdo de um poema só é bom quando instala o estranhamento, o mistério, a indagação. Só é bom quando se afasta do transitório, da banalidade, da babaquice, em direção ao eterno. A arte é ainda uma catarse. Exige nosso sangue. A poesia circula nas veias do poeta, na angústia de ser poeta. O verdadeiro poeta transcende os limites da percepção rotineira. A verdadeira poesia rompe o tecido conceitual da realidade, cria uma nova tessitura poética, mais real, irreal, surreal em sua essência (....) O lugar do poema é no limiar da metáfora, embora a poesia moderna privilegie a metonímia, é a metáfora que dá emoção à poesia. Mas emoção, como dizia Ferreira Gullar, não é emocionalismo barato. O bom poema necessita de contida elaboração, mas a técnica por si só pode tornar-se inútil e estéril se não veicular a poesia (....) Tenho lido muitos poemas em meus 65 anos, no entanto, parece que quase todos dizem la stessa cosa. O mais patético, hoje, são aqueles que fazem ‘experiências’ com a palavra sem nada a ver com a poesia”.

Pisani, catarinense da pequena Gaspar, nos deixou no dia 8 de março de 2007. Para a companheira de vida Vaiani, os filhos Lênia Pisani Gleizi e Osmar Pisani Jr., seus amigos, artistas, alunos e companheiros do Conselho Estadual de Cultura – faça-se a concessão ao clichê – transmudou-se em espaço de puro afeto e saudade. Dá-se que ele detestava o convencional, o previsível e, mais ainda, elogios ou reverências. Este relato, portanto, de certa forma é feito à sua revelia.

Foi no Conselho Estadual de Cultura que conheci essa doce figura que nunca passava despercebida, sobretudo pela jovialidade e bom humor, quebrando, muitas vezes, a solenidade e o protocolo de uma reunião plenária com observação jocosa e surpreendente sobre o tema em discussão. E vinha o riso de todos. Traço característico de seu ofício como conselheiro, para mim inesquecível, era a qualidade dos pareceres. Para ele, o campo da sua obra literária, a crítica de artes e o trabalho no CEC não se excluíam; antes, se ajustavam reciprocamente. Nas câmaras de Artes Plásticas e Letras a que pertencia no CEC, opinava com inteligência aguda e crítica. Ele nos ensinou, por exemplo, que no parecer sobre projeto cultural submetido ao CEC, à semelhança da crítica de arte, deve predominar o sentido pedagógico, construtivo, nunca a simples demolição.

Sua ex-aluna e também crítica de arte Roseli Hoffmann lembra: “Uma lição que aprendi com Osmar Pisani é que a crítica deve vir sempre acompanhada do estímulo...”. Marita Barbi, secretária-executiva do CEC, depõe: “Com suas tiradas inteligentes, Pisani fazia nossas reuniões do CEC agradáveis, leves e divertidas. Tinha o coração maior do que a própria estatura. Estava sempre pronto a ajudar a quem precisasse, seja com uma palavra amiga, um elogio, pequenos presentes, que, vindos dele, tinham valor inestimável. Aconteceu comigo: certo dia, estava secretariando a reunião do CEC e ele me aparece com um presente, um perfume escolhido pelo seu gosto apurado. Para homenageá-lo, eu só o colocava nos dias de reunião, para que durasse mais tempo”.

José Mindlin consigna que “o Brasil é fonte permanente de surpresas. Uma destas foi conhecer a poesia de Osmar Pisani, merecedora de bem maior divulgação do que alcançou até hoje. O trabalho de divulgação de Osmar Pisani trará para ele o justo reconhecimento nacional, que sua obra merece. Lembro bem suas visitas aqui em São Paulo, e tenho a satisfação de ter na biblioteca seus livros As Raízes do Vento e As Paredes do Mundo”.

Sandra Makowiecky, pró-reitora de Ensino da Udesc, afirma sobre Pisani: “Era figura atuante na cultura catarinense, incentivador e divulgador, com atuação destacada como crítico de arte e na literatura. Tinha alma jovem e gostava de estar rodeado de jovens; notável talento para descobrir e incentivar valores”.

Sandra Ramalho, doutora em Semiótica e professora do Centro de Artes da Udesc, diz que: “Falar de Osmar Pisani só em fragmentos, para poder dar cortes na continuidade da narrativa de uma vida em toda a sua inteireza; da vida de um ser coerente com seu tempo, com suas crenças, com seu passado, com a cidade e o Estado. Um vanguardista comportado, um anarquista construtivo. Pioneiro na crítica de arte em Santa Catarina, ele não a exerceu de modo ferino e demolidor, como alguns; suas palavras apontavam equívocos e indicavam caminhos”.

Para Marcelo Muniz, membro do CEC: “Nosso amigo, conselheiro, poe-ta e crítico de arte Osmar Pisani foi para um outro plano. Mas as suas ideias visionárias e o seu senso crítico ainda estão vivos na consciência dos que tiveram a honra de ser seus contemporâneos”.

Segundo Lygia Helena Roussenq Neves, diretora do Masc: “Osmar Pisani contribuiu, ao lado de Lindolf Bell e Harry Laus, na construção dos contornos do mapeamento da cultura e arte catarinenses. Saudoso companheiro de Conselho Estadual de Cultura, compartilhamos políticas culturais, alegrias, contradições, instantes lúdicos e abstratos; sobretudo, momentos plenos de reflexão e debate na busca de bons resultados. Dos meus lugares da lembrança de Cecília Meireles para Pisani: ‘dize: o vento do meu espírito soprou sobre a vida e t
udo que era efêmero se desfez e ficaste só tu, que és eterno’”.

Lauro Junkes, presidente da Academia Catarinense de Letras e membro do CEC, diz que: “Desde a década de 1970 acompanhei o escritor Osmar Pisani. Um lutador. Um renovador. Do Simbolismo e do Surrealismo, extraiu percepções luminosas. Sua poética não declara, sugere. Não é poesia de consumo. Exige comunhão sólida. Depois, no Conselho Estadual de Cultura, por alguns anos, geramos pareceres na Câmara de Letras. Pisani trouxe atuação competente, entusiasmo pela cultura, convívio amigo. Viva e saudosa prossegue, ainda, sua imagem alegre”.

Dizer mais o quê? De minha parte, a constatação, iluminada pelos versos de Osmar Pisani, de que ele não se terá perdido “na poeira das coisas”:

Que obscura relação
há no amor humano
e na trajetória da morte?
O anjo assimila a brutal
experiência do acaso
e o ato não recusa
a cilada da morte
na poeira das coisas
tratadas pelos homens.

Por FRANCISCO SOCORRO, Publicitário, presidente do Conselho de Ética das Agências de Publicidade de SC e membro do Conselho Estadual de Cultura de SC.

2 comentários:

Darlan M Cunha disse...

Caro GERALDO,

fico-lhe extremamente grato pelo e-mail, dando conta de sua Página no Blogger / Blogspot, pelo que nem preciso vasculhá-la (mas o farei) em busca de preciosas pedras num solo que, sei, é de extrema generosidade ("e uma pedra no bolso esquerdo / pesando como um relógio").

Parabéns pela Página bem cuidada, elegante. Desde o primeiro contato com seu trabalho, há muitos anos, venho falando sobre ele, em BH e no resto do Mundo, seja na WEB ou numa conversa informal em família ou entre novos e velhos amigos ("que vem de um tempo perdido / que vem de um tempo inventado").


Aquele abraço,
DARLAN

Geraldo Reis Poeta disse...


Meu amigo sumido!
Você é especialmente generoso com este poeta-menor. Não canso de repetir que essa luz que vem gratuita me ilumina e me faz continuar nessa tarefa de apascentar palavras? Ou seria, dar-lhe uma nova dimensão.
Super agradeço, de novo.
Não me esqueço de você.
Por favor, leia o Juízo Final e me fale depois.
No mais, desculpe, porque, infelizmente, só hoje vi seu comentário.
Para você, m
eu melhor abraço barroco.

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