CÂNTICO DE FOGO
Geraldo Reis
O Juízo Final é um
pássaro cego
cravando seu canto de
fogo na pupila branca de Deus
que em vão se esquiva
e no corpo
do homem
que inerte
não se abala.
O Juízo
Final teme que os peixes e as plantas
não boiem
depois de mortos
por força de alguma
desconhecida serpente
ou de algum demiurgo
criado a
partir do pensamento da hidra.
O Juízo
Final semeia a ferida
que há de
preencher os espaços da vinha
e
de envolver os cântaros
a ferida
que há de dissipar a memória
da água e da sede
e da febre,
que era alumbramento.
O Juízo
Final conduz pelas mãos
um
crepúsculo saído do ventre fundo de Deus
e abre um
caminho novo em direção à aurora
que se fez
carne a partir de um bocejo.
O Juízo Final comparece
em pessoa ao julgamento de Deus
diante do pântano, das
trevas e do abismo
que foram a
matéria-prima de que ele fez o homem.
O Juízo Final espreme o
olho de Deus
que expele
inéditos pombos da morte
fatais e
devoradores
e frios
como cubos de gelo.
O Juízo
Final pedala
embora rupestre
uma roca
e tece o
destino dos justos
diante de um Deus que
pede um copo d’água
vendo que
toda sua obra resultou num deserto.
O Juízo Final, de corpo e
alma,
celebra a
irreverência dos vermes,
que não se
deixam abater,
ao contrário,
se
reproduzem com apetite voraz,
vendo a
morte definitiva de Deus e do homem.
O Juízo
Final põe fim à obra prematura de Deus
e lava as
mãos na fonte luminosa
que brotou
da maçã triangular de seu olho.
3 comentários:
Que belo! O juízo final surge como tristeza inevitável. Parabéns, poeta!
Que belo! O juízo final surge como tristeza inevitável. Parabéns, poeta!
Sim...E aí? O Juízo Final em pessoa seria apenas um pesadelo? Obrigado pela visita.
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