21/10/2022

ELEGIA AO POETA PASCOAL MOTA de cujo falecimento, hoje, 21/10/2022, acabo de ter notícia

 Geraldo Reis - A Toca da Serpente - A Garganta da Serpente 

O link acima remete à publicação do poema no blog A TOCA DA SERPENTE,  postado ali há uns 14 anos, embora escrito bem antes. 
Republico com alterações apenas quanto à disposição de alguns versos.
Tenho nesse blog, uma outra versão, mas encontrando essa, trabalhei, posso dizer, modificando apenas a disposição de alguns versos.
Ele gostava dessa homenagem que, dentre outras, puder fazer-lhe em vida. 
O poema, que tivemos oportunidade de ler várias vezes, vai agora como homenagem póstuma. 
Registro que rimos muitas vezes das metáforas trabalhadas com o verde, e rimos até das referências bucólicas. 
A "motivação do poema" no geral, tinha uma fonte que facilitava, aqui e ali,  a tradução. 
E a tradução vinha, para nós, com um  um significado "muito especial". 
O fecho então, "teu nome que é fogo / que é verde e que atravessa / incólume / a escura montanha do vero esquecimento", veio, segundo me disse, como "aquela necessária chave de ouro". 
Republicando, reverencio um de nossos maiores poetas, de cujo passamento tenho notícia, por e-mail, através de nosso amigo comum, Elias Layon.
Em um de nossos últimos contatos, Pascoal me disse que estava trabalhando intensamente,  terminando uma obra que revisava e que teria mais de 400 páginas, dentre outros trabalhos.
Perdi um mestre, um confidente, um amigo, um irmão. 
Saudade, Mestre! Espere por nós, que estamos a caminho... 

De seu extraordinário VER DE BOI - Prêmio Cidade de Belo Horizonte de Poesia 1973, publicado em 1974, cujo texto das "orelhas" esteve a cargo de Geraldo Reis, destacamos,  mais especificamente, do ABOIO VIII: 

"Vamos, meu boi tão sozinho
olhar de frente esse azul 
de céu que é nosso comum 
até não chegar meu dia". 

E do mesmo poema, ainda: 

"Ai vida, paz de mentira
ai medo da escuridão." 

Missão cumprida, mestre! 
Descanse em paz! 
 
Nota redigida e postada em 22/10/2024 - Lembrando, mais uma vez, o mestre PM, que faleceu há dois anos, Mas "atravessa, incólume, a escura montanha do vero esquecimento", como no poema ACALANTO DE PAPEL PARA O AMIGO VERDE.   

O título VER DE BOI, é Carlos Antoninho Duarte. Foi dado ao poema Aboio VIII, o primeiro do que veio a ser uma série. 
CAD sabia muito e explicou que a expressão VER DE, além do trocadilho, é claro, era semelhante a IR DE (por exemplo,  ir de de trem).  Para ele, o poema era uma viagem, com o autor se colocando no lugar do boi. Uma metáfora, enfim. 
Ninguém sabe por onde anda CARLOS ANTONINHO DUARTE, que escreveu e publicou uma matéria no jornal O ESTADO DE MINAS, nos anos 70/80, com destaque para os POETAS DA PALAVRA, aqueles que não estavam ligados ao concretismo, por exemplo. 
Nunca nos encontramos e nunca nos falamos. Não houve uma "oportunidade".  O misterioso escritor, segundo soube e até onde pude saber, residia em Venda Nova - BH.    


ACALANTO DE PAPEL PARA UM AMIGO VERDE 

 
Para Pascoal Motta 


I


com as digitais do vento 
gravarei teu nome 
nas asas das aves 

com as digitais do voo 
gravarei teu nome 
nas púrpuras do azul 

com as digitais do gado 
gravarei teu nome 
na amplidão do berro 

com as digitais do futuro 
gravarei teu nome 
no brilho da promessa 

com as digitais da manhã 
gravarei teu nome 
na epiderme do dia 

com as digitais do canto 
gravarei teu nome 
na ossatura da pauta 

com as digitais do encontro 
gravarei teu nome 
na pele da ausência 

com as digitais dos lanhos 
gravarei teu nome 
na permanência do sangue 

com as digitais da escuta 
gravarei teu nome 
no ouvido da noite 

com as digitais de exílio 
gravarei teu nome 
na embarcação dos afogados

com as digitais da idade 
gravarei teu nome 
no coração do tempo 

com as digitais da permanência 
gravarei teu nome 
no aperto de mãos para sempre adiado. (*)

 
II 


onde se acautelam de novas borrascas 
o hálito impuro de Deus e o barro novo ainda imóvel 
escreverei teu nome 

onde a graminácea é como um por-de-sol bovino 
na celebração pacífica das heras envolvendo 
a estrela que há de domar o pântano
mais escreverei teu nome 

onde o décimo algarismo abafará toda metáfora 
e toda viagem 
e toda efígie 
e todo verde 
escreverei teu nome 

onde os últimos bardos 
serão precipitados com seus versos 
e com seus barcos 
e com seus remos e salmos como sementes vencidas 
escreverei teu nome 

onde os poemas tão somente imaginados 
estarão dormindo para sempre como no fundo 
de uns olhos verdes já mortiços, 
apagados, talvez, quem sabe, 
mais e mais escreverei teu nome.


III 


teu nome 
que é ouro 
vencendo a indiferença dos búzios e da distância 

teu nome 
que é porto 
domando a ira das águas e dos abismos 

teu nome 
que é susto 
vencendo a indiferença dos galos e dos embrulhos 

teu nome 
que é verde 
dominando toda a extensão dos pântanos e da clorofila 

teu nome 
que é memória 
e que reverdece a metáfora na gestação da ausência.


IV 


aqui se acautelam de novas borrascas 
o hálito impuro de deus e o barro novo ainda imóvel 

aqui, o abismo será vero esquecimento 
depois que o teu corpo imolado 
se repetir na pupila dos afagos 

aqui, vencendo a rocha, 
a dura eternidade e as acácias 
escreverei teu nome 

aqui, na esquina dos antigos versos do que foi Minas, 
e do que foi um dia a tua infância em territórios remotos,
barrocos e pastoris 
escreverei teu nome.

aqui, durando como os martelos de teu pai apascentando pesados fardos de sola para sapatos e arreios donde pisar a eternidade e cavalgar o sono 
escreverei teu nome. 

aqui, onde o barro novo se debate ao sopro impuro de Deus 
e se contorce de um novo nascimento 
ao lado de tua mãe soprando o fogo da poesia no cerne da candeia 
escreverei teu nome. 

teu nome que é paz 
qual bandeira hasteada na memória do vento 
memória que é luz afável e permanente 
 
escreverei teu nome 
 
que é fogo 
que é verde 
e que atravessa    
 
incólume
 
 a escura montanha do vero esquecimento

                                         
(Geraldo Reis - BH)

(*) - "aperto de mãos para sempre adiado" - de Pascoal Mota,  expressão que encerra, como remate, o poema ELEGIA A DANTAS MOTA, publicado em o ESTADO DE MINAS, quando faleceu o poeta de Aiuruoca e das Elegias do País das Gerais.

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