Geraldo Reis - A Toca da Serpente - A Garganta da Serpente
O link acima remete à publicação do poema no blog A TOCA DA SERPENTE, postado ali há uns 14 anos, embora escrito bem antes.
Republico com alterações apenas quanto à disposição de alguns versos.
Tenho nesse blog, uma outra versão, mas encontrando essa, trabalhei, posso dizer, modificando apenas a disposição de alguns versos.
Ele gostava dessa homenagem que, dentre outras, puder fazer-lhe em vida.
O poema, que tivemos oportunidade de ler várias vezes, vai agora como homenagem póstuma.
Registro que rimos muitas vezes das metáforas trabalhadas com o verde, e rimos até das referências bucólicas.
A "motivação do poema" no geral, tinha uma fonte que facilitava, aqui e ali, a tradução.
E a tradução vinha, para nós, com um um significado "muito especial".
O fecho então, "teu nome que é fogo / que é verde e que atravessa / incólume / a escura montanha do vero esquecimento", veio, segundo me disse, como "aquela necessária chave de ouro".
Republicando, reverencio um de nossos maiores poetas, de cujo passamento tenho notícia, por e-mail, através de nosso amigo comum, Elias Layon.
Em um de nossos últimos contatos, Pascoal me disse que estava trabalhando intensamente, terminando uma obra que revisava e que teria mais de 400 páginas, dentre outros trabalhos.
Perdi um mestre, um confidente, um amigo, um irmão.
Saudade, Mestre! Espere por nós, que estamos a caminho...
De seu extraordinário VER DE BOI - Prêmio Cidade de Belo Horizonte de Poesia 1973, publicado em 1974, cujo texto das "orelhas" esteve a cargo de Geraldo Reis, destacamos, mais especificamente, do ABOIO VIII:
"Vamos, meu boi tão sozinho
olhar de frente esse azul
de céu que é nosso comum
até não chegar meu dia".
E do mesmo poema, ainda:
"Ai vida, paz de mentira
ai medo da escuridão."
Missão cumprida, mestre!
Descanse em paz!
Nota redigida e postada em 22/10/2024 - Lembrando, mais uma vez, o mestre PM, que faleceu há dois anos, Mas "atravessa, incólume, a escura montanha do vero esquecimento", como no poema ACALANTO DE PAPEL PARA O AMIGO VERDE.
O título VER DE BOI, é Carlos Antoninho Duarte. Foi dado ao poema Aboio VIII, o primeiro do que veio a ser uma série.
CAD sabia muito e explicou que a expressão VER DE, além do trocadilho, é claro, era semelhante a IR DE (por exemplo, ir de de trem). Para ele, o poema era uma viagem, com o autor se colocando no lugar do boi. Uma metáfora, enfim.
Ninguém sabe por onde anda CARLOS ANTONINHO DUARTE, que escreveu e publicou uma matéria no jornal O ESTADO DE MINAS, nos anos 70/80, com destaque para os POETAS DA PALAVRA, aqueles que não estavam ligados ao concretismo, por exemplo.
Nunca nos encontramos e nunca nos falamos. Não houve uma "oportunidade". O misterioso escritor, segundo soube e até onde pude saber, residia em Venda Nova - BH.
ACALANTO DE PAPEL PARA UM AMIGO VERDE
Para Pascoal Motta
I
com as digitais do vento
gravarei teu nome
nas asas das aves
com as digitais do voo
gravarei teu nome
nas púrpuras do azul
com as digitais do gado
gravarei teu nome
na amplidão do berro
com as digitais do futuro
gravarei teu nome
no brilho da promessa
com as digitais da manhã
gravarei teu nome
na epiderme do dia
com as digitais do canto
gravarei teu nome
na ossatura da pauta
com as digitais do encontro
gravarei teu nome
na pele da ausência
com as digitais dos lanhos
gravarei teu nome
na permanência do sangue
com as digitais da escuta
gravarei teu nome
no ouvido da noite
com as digitais de exílio
gravarei teu nome
na embarcação dos afogados
com as digitais da idade
gravarei teu nome
no coração do tempo
com as digitais da permanência
gravarei teu nome
no aperto de mãos para sempre adiado. (*)
II
onde se acautelam de novas borrascas
o hálito impuro de Deus e o barro novo ainda imóvel
escreverei teu nome
onde a graminácea é como um por-de-sol bovino
na celebração pacífica das heras envolvendo
a estrela que há de domar o pântano
mais escreverei teu nome
onde o décimo algarismo abafará toda metáfora
e toda viagem
e toda efígie
e todo verde
escreverei teu nome
onde os últimos bardos
serão precipitados com seus versos
e com seus barcos
e com seus remos e salmos como sementes vencidas
escreverei teu nome
onde os poemas tão somente imaginados
estarão dormindo para sempre como no fundo
de uns olhos verdes já mortiços,
apagados, talvez, quem sabe,
mais e mais escreverei teu nome.
III
teu nome
que é ouro
vencendo a indiferença dos búzios e da distância
teu nome
que é porto
domando a ira das águas e dos abismos
teu nome
que é susto
vencendo a indiferença dos galos e dos embrulhos
teu nome
que é verde
dominando toda a extensão dos pântanos e da clorofila
teu nome
que é memória
e que reverdece a metáfora na gestação da ausência.
IV
aqui se acautelam de novas borrascas
o hálito impuro de deus e o barro novo ainda imóvel
aqui, o abismo será vero esquecimento
depois que o teu corpo imolado
se repetir na pupila dos afagos
aqui, vencendo a rocha,
a dura eternidade e as acácias
escreverei teu nome
aqui, na esquina dos antigos versos do que foi Minas,
e do que foi um dia a tua infância em territórios remotos,
barrocos e pastoris
escreverei teu nome.
aqui, durando como os martelos de teu pai apascentando pesados fardos de sola para sapatos e arreios donde pisar a eternidade e cavalgar o sono
escreverei teu nome.
aqui, onde o barro novo se debate ao sopro impuro de Deus
e se contorce de um novo nascimento
ao lado de tua mãe soprando o fogo da poesia no cerne da candeia
escreverei teu nome.
teu nome que é paz
qual bandeira hasteada na memória do vento
memória que é luz afável e permanente
escreverei teu nome
que é fogo
que é verde
e que atravessa
incólume
a escura montanha do vero esquecimento.
(Geraldo Reis - BH)
(*) - "aperto de mãos para sempre adiado" - de Pascoal Mota, expressão que encerra, como remate, o poema ELEGIA A DANTAS MOTA, publicado em o ESTADO DE MINAS, quando faleceu o poeta de Aiuruoca e das Elegias do País das Gerais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário