O link remete à publicação do poema que agora republico, com alterações apenas quanto à disposição de alguns versos. O poema já está no blog e pode ter alterações, mas a versão abaixo é a primeira. Ele gostava desse poema, e lemos juntos (do jeito que ele gostava) várias vezes em nossos encontros aqui em casa e na casa em que o poeta morou em Belo Horizonte, antes de se mudar para São Pedro dos Ferros. Ele sabia que o poema era uma elegia. Eu também... E rimos muitas vezes porque as metáforas trabalhadas com o verde, as referências bucólicas, a "motivação", toda ela enfim, tem para nós que sabíamos a fonte, um significado muito especial. O fecho então, "teu nome que é fogo / que verde e que atravessa / incólume / a escura montanha do vero esquecimento", veio, segundo me disse como aquela "necessária chave de ouro".
Republicando, reverencio um de nossos maiores poetas, de cujo passamento tenho notícia, por e-mail, através de nosso amigo comum, Elias Layon.
Em um de nossos últimos contatos, Pascoal me disse que estava trabalhando intensamente, terminando uma obra que revisava e que teria amais de 400 páginas, dentre outros trabalhos.
Devo dizer que perdi um mestre, um confidente, um amigo, um irmão. Saudade, Mestre! Espere por nós, que estamos a caminho... E descanse em paz.
ACALANTO DE PAPEL, PARA UM AMIGO VERDE
(Para Pascoal Motta, amigo e mestre, autor de VER DE BOI, poemas).
I
Com as digitais do vento
gravarei teu nome
nas asas das aves
com as digitais do voo
gravarei teu nome
nas púrpuras do azul
com as digitais do gado
gravarei teu nome
na amplidão do berro
com as digitais do futuro
gravarei teu nome
no brilho da promessa
com as digitais da manhã
gravarei teu nome
na epiderme do dia
com as digitais do canto
gravarei teu nome
na ossatura da pauta
com as digitais do encontro
gravarei teu nome
na pele da ausência
com as digitais dos lanhos
gravarei teu nome
na permanência do sangue
com as digitais da escuta
gravarei teu nome
no ouvido da noite
com as digitais de exílio
gravarei teu nome
na embarcação dos afogados
com as digitais da idade
gravarei teu nome
no coração do tempo
com as digitais da permanência
gravarei teu nome
no aperto de mãos
para sempre adiado.
II
onde se acautelam de novas borrascas
o hálito impuro de Deus e o barro novo ainda imóvel
escreverei teu nome
onde a graminácea é como um pôr-de-sol bovino
na celebração pacífica das heras envolvendo
a estrela que há de domar o pântano
mais escreverei teu nome
onde o décimo algarismo abafará toda metáfora
e toda viagem
e toda efígie e todo verde
escreverei teu nome
onde os últimos bardos
serão precipitados com seus versos
e com seus barcos
e com seus remos e salmos como sementes vencidas
escreverei teu nome
onde os poemas tão somente imaginados
estarão dormindo para sempre
como no fundo
de uns olhos verdes já mortiços,
apagados, talvez, quem sabe,
mais e mais escreverei teu nome.
III
teu nome
que é ouro
vencendo a indiferença dos búzios
e da distância
teu nome
que é porto
domando a ira das águas
e dos abismos
teu nome
que é susto
vencendo a indiferença dos galos
e dos embrulhos
teu nome
que é verde
dominando toda a extensão
dos pântanos e da clorofila
teu nome
que é memória
e que reverdece a metáfora
na gestação da ausência.
IV
aqui se acautelam de novas borrascas
o hálito impuro de deus
e o barro novo ainda imóvel
aqui, o abismo será vero esquecimento
depois que o teu corpo imolado
se repetir na pupila dos afagos
aqui, vencendo a rocha,
a dura eternidade e as acácias
escreverei teu nome
aqui, na esquina dos antigos versos
do que foi Minas,
e do que foi um dia a tua infância
em territórios remotos,
barrocos e pastoris
escreverei teu nome
aqui, durando como os martelos de teu pai
apascentando pesados fardos de sola
para sapatos e arreios
donde pisar a eternidade e cavalgar o sono
escreverei teu nome
aqui, onde o barro novo se debate
ao sopro impuro de Deus
e se contorce de um novo nascimento
ao lado
de tua mãe soprando
o fogo da poesia no cerne da candeia
escreverei
teu nome
teu nome que é paz
qual bandeira hasteada
na memória do vento
qual memória que é luz
afável, permanente
escreverei
teu nome que é fogo
que é verde
e que atravessa
incólume
a escura montanha
do vero esquecimento.
(Geraldo Reis)
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