06/11/2015

CARTA ABERTA


CARTA ABERTA A ELIAS LAYON


 

(De GERALDO REIS, em Belo Horizonte 


para  ELIAS LAYON, em Mariana)



Layon, quando pintares o Juízo Final,

põe nele o meu rosto, entre as mãos de Deus se comprimindo.


Derrama alguma cor na tela,

exatamente sobre esse meu olho esquerdo assim

desfigurado



(éter?

útero?

eternidade?)


e uma tristeza talvez

de derramado fim de festa.


Põe, com requintes na tela,

mais essa invenção de última hora:

o órgão da Sé tocando um miserere

entre recôncavos e morros

e muito verde, LAYON,

muito verde ao fundo.


Põe depois alguma intimidade

na inconfidência mineira maltratada alhures

exclamação nas emoções cantadas de viés

futuridade na cor que refletir meu gesto

ponto de partida do nada que fui

ao que não foi meu verso e a minha fragilidade.


Nada mais acrescente à receita

que um cheiro úmido de terra,

com meninos cegos ao fundo

atestando o milagre da chuva diante de folhas secas.


Ainda assim, LAYON,

não comprarei esse quadro que não me define,

com motivações de fundo e forma que não me comportam.


(Nem sei se estou respirando na tela!)


A inocência de quem se envolveu na luta com a palavra

(e perdeu sempre) ficou nos becos da infância.


A camisa branca de minha adolescência

ficou nos becos da infância.


A clara dentição dos meus antepassados

ficou nos becos da infância.


A mão do menino que descrevia parábolas

e acenava para a mulher na janela inventada

ficou nos becos da infância.


O coração que imaginei generoso e de olhar impassível

ficou nos becos da infância.


O temor a Deus,

o arremedo de fé,

o remorso,

a sede

o arrepio das palavras tomadas de assalto

nos becos escuros de um verso ainda mal apanhado

a eternidade expulsa do paraíso

como se fora a própria serpente

que não considerava, por sedutora,

a inesperada gravidez da pedra,

as reticências, as meias-palavras,

as dobras ocultas do ocaso

que não pousaram sequer na partitura de um verso,

as velas abandonadas de um navio

padecendo um naufrágio no fundo dos rios,

não há na tela nada disso.


Não há na tela a sensação  talvez de um verso

mínimo que seja, registrando o primeiro beijo

o primeiro pecado

o primeiro remorso.


O gesto eloquente

que eu pensava ter no espelho,

e que ninguém notou

ficou enterrado em Mariana

entre minerais e misereres.


Não há nada de mim na tela,

nada reflete o verso que passou por mim 

e que se  foi sem registro.


Esse verso é que me condena.


Põe na tela a humilhação desse verso:

um traço de viés, em branco, na tela toda branca,

o arremedo de um mugido de gado

pinçado na visão dos cegos.


Põe na tela a memória do galho em que o tempo descansa

naquele  verso que eu deveria ter feito e que não fiz.


E nas mãos condenadoras de Deus,

se comprimindo,

põe a minha cabeça


e a eternidade do trigo

a circunferência do pão

e a quadratura do vinho.


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IDEIA SUBALTERNA "GERALDO REIS - Prêmio LIVRO DO MÊS"- Crítica de EDGARD PEREIRA



COM ALEGRIA,TRANSCREVO
 do blog 
IDEIA SUBALTERNA. Prêmio: LIVRO DO MÊS        ]

 sábado, 4 de julho de 2015
Geraldo Reis
Livro do mês:
       Galardoado com o Prêmio Cidade de Belo Horizonte, em 1981, o livro de poemas de Geraldo Reis, Pastoral de Minas, mantém-se atual e instigante. Muito mais que uma coletânea de versos, o leitor vê-se diante de uma estrutura verbal orgânica e significativa. O título arrasta consigo uma dupla inscrição, ao indiciar uma fértil ambiguidade: de um lado aponta a vizinhança com os documentos episcopais, de natureza moral, enquanto de outro se mostrar como registro de digressões e notas a respeito de pastores. Enquanto aquela denota o zelo em apregoar a exortação moral, como tratado de condutas e modos de viver, esta alinha-se como rol de sabedoria de conhecimentos empíricos, relacionada a assuntos ligados à vida rústica e pastoril. Em ambas, o que sobeja diz respeito à manutenção de códigos, de intenções e alcance específicos, evidentes em resquícios, vestígios cartoriais e poéticos, com assertivas introdutórias pungentes: “Essa penumbra de proibição, destempero, alumbramento. Esse pelo, esse cavalo a galope tão primeiro, e derradeiro, e decadente, e parvo, o próprio peito. Esse pelo-sinal de pobreza, assessoria de miserê, parceria de ‘prevaricou’, ‘pecou’, ‘levou’.” (Reis, 1981, 23)
Não se nasce impunemente nas montanhas, Minas é muito mais que uma notação geográfica ou histórica – é silício, destino de farsa e desengano - “onde domar a trama / onde bulir o drama / onde cozer a farsa // onde cevar a faina / onde doer a fama / onde puir a praça” (Reis, 1981, 37). A segunda epígrafe, de Cecília Meireles, põe em relevo a crispada onda de sublevação, de fundas e sombrias memórias: “O país da Arcádia / súbito escurece / em nuvens de lágrimas. / Acabou-se a alegre / pastoral dourada: / pelas nuvens baixas, / a tormenta cresce”. A convenção árcade, desde então convocada, faz-se presente ao longo dos poemas, em traços que relevam a delicadeza da écloga, o viver nômade, a exaltação da sabedoria rústica. Tudo isso, sem desdenhar a bruta realidade, em que pontuam “aves de ag’ouro, encomendas / o couro negro das fadas // há penhas como quimeras / quimeras como pedradas” (Reis, 1981, 27). Em notações mais incisivas, pontuais: “caiam bênçãos de Deus / sobre o teu quepe // como uma faca viva / te decepe” (Reis, 1981, 40). A identificação do poeta ao pastor salienta um sentido de sabedoria intuitiva, segundo lição de Chevalier e Gheerbrant: “O pastor simboliza a vigília; sua função é um constante exercício de vigilância: este está desperto e vê. (...) Por causa das diferentes funções que exerce, o pastor aparece como um sábio, cuja ação deriva da contemplação e da visão interior”. (Chevalier; Gheerbrant, 1988, 691-692).

eu sei dos danos das minas
arando o ouro da intriga

também conheço o carinho
de devotadas marílias

se não me aprumo é por logro
das amadas concubinas

dou minhas barras de ouro
pelo coito das meninas
(...)
            (Reis, 1981, 64)

Ainda que voltada para formas populares, a escrita poética desta pastoral não se afasta da consciência da história. Nem dos torneios frasais típicos da fala da província, encaminhando o registro para a esfera da linguagem como legado: “meu coração não emenda coisa com coisa / pensamento ou fala / ou mesmo um fio / de memória amarga” (Reis, 1981, 70). O verso de Geraldo Reis guarda segredos e ecos imprevistos – “e era tudo um mau cheiro de mudo / arengando detrás da vidraça” (Reis, 1981, 33); “antes de tudo / o riacho / compondo rimas no vale// antes de tudo / o capacho / do que me corte ou retalhe” (Reis, 1981, 36). O livro termina cigano como começou, reavivando o nomadismo, no início, a viagem das tropas: “agora o touro / agora o ouro / agora o negro// as mulas de carga rara”; no final, referindo o cavalo “negro, baio e erradio”.  Bela e surpreendente fábula poética, de ressonâncias melódicas inusitadas, alguma incursão barroca, aguda percepção das modulações mínimas, sem medo de transitar pelos atalhos da história e da tradição, municiada das ferramentas da modernidade e da crítica.

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Trad. Vera da Costa e Silva et al. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988.
REIS, Geraldo. Pastoral de Minas. Belo Horizonte: Comunicação, 1981.

Postado por Edgard Pereira Reis às 08:30   

18/10/2015

EXCERTO DE 'ESTAÇÕES DA AUSÊNCIA'



Excerto de 

ESTAÇÕES DA AUSÊNCIA



 PASCHOAL MOTTA
 
Destaque para essa joia. Momento de altíssimo sentir e viver em poesia de permanente amor. O poema nos parece tenro, mas, “é de 1995”, informa o emocionado menestrel. Lá se foram 20 anos! O poema, rejuvenescido, novo em folha, vai atravessando o tempo, como se fosse um fruto saboroso, um perfume, um beijo trazido pela brisa da manhã para a afinar a sensibilidade, emocionar corações apaixonados e encantar o mundo. (Geraldo Reis)

- REGISTRO -
E hoje, 21/10/2023, acrescento: Um ano de seu passamento, Poeta! Continuamos no propósito de defender as bandeiras do verso, do espanto, das palavras perdidas, cordeiros que tentamos apascentar um dia juntos. O cajado em que escoramos a falta de sua presença física, aponta os rumos da caminhada. Esteja em Paz. Aqui, haveremos de esperar a Primavera que virá... e certamente virá. Ainda que não tenhamos seus (do poeta) "olhos físicos" para vê-la, ela permanece, e permanecendo, virá, pois nunca se foi. Está imortalizada nos versos que lhe foram consagrados.  (GR).   
 
 
viajas no pólen do desejo

nas asas de abelhas operosas,

luz inteira, garça em azul;



voltas do sempre, desde o gesto

inicial, desde a pedra e o musgo,

desde a fonte, desde a sede;



e chegas: tuas mãos destas vazias

velejam num remanso de lágrima,



por ausência e apelos repetidos;

luar na tarde, calma na estrada,

sonho de um sabiá protegido

na sombra de verde cantiga;



nem sabia mais o gosto da polpa

da manga de vez das meninices,

cheiro roxo do capim-de-mel;



agora, encanto: a festa nas espigas,

e te reencontro, encantada manhã,


flor de primavera, seiva e raiz.

HERANÇA


Geraldo Reis


Depois da noite, do abismo da noite

ninguém perturbe o silêncio dos óculos deixados,
como que esquecidos de mim,
sobre a mesa.

Nunca mais verei

com aqueles óculos,
minha dama,
De segredo feita e paisagem.

Nenhum calor

nas lentes
que a recorde.

No quarto onde mal dormia

eu vos deixo de herança
meus olhos cambaios.

28/03/2015

ALÍVIO


ALÍVIO

                                                  Márcio Almeida

Uma noite sem pernilongo,
uma semana sem falcatrua da Petrobras,
uma chuvinha com raios e trovões em meio a madrugada,
um jornal de TV sem bala perdida,
um dia  sem falta d´água,
um consenso no Congresso a favor do povo,
um dia sem o risco de apagão,
um outro dia sem aumento das taxas de serviços,
um programa de TV sem apelação ao sexo,
um político pronunciando a palavra "nós",
uma música que não seja só sertanoja ou funk,
um jornal sem a conivência com o poder,
uma religiosidade sem as peias do fanatismo,
uma manifestação pública sem os excessos do rancor,
um atendimento no SUS sem  omissão,
uma ida ao supermercado sem  inflação,
um livro bom que não seja best-seller,
uma taxa que não tenha desemprego,
uma redação do Enem que não tenha nota zero,
24 horas apenas sem o país entrar em déficit,
um outro sem o aumento de juros e tarifaço,
um expediente de Brasília sem o lastro da falácia,
um poente verde na Amazônia sem  prostituição ecológica,
um dia nas megalópoles sem o drama apocalíptico,
uma hora de preservação histórica ameaçada pela penúria,
um novo cânone que não se baseie em carnaval e futebol,
uma lei seca contra a operação Lava-Jato,
uma outra lei que não engesse as artes e a cultura,  
e ainda uma lei contra os embargos continentais,
um encolhimento no mercado de veículos aqui ou na Rússia, 
uma arrecadação que não seja pilhada por subterfúgios,
uma dívida que não comprometa as futuras gerações,
um resgate da perda quase irreparável da legitimidade política do país,
um refresco nos ataques terroristas no Oriente Médio,
uma bandeira branca contra as guerras pelo mundo,
uma reportagem definitiva sobre o massacre de judeus na 2a Guerra,
uma serventia gratuita  para smartphones e avanços da tecnologia,
um espelho para a transparência,
um antídoto contra os recordes inseguros (mortes, roubos, assaltos),
uma garantia para a liberdade de imprensa,
um idioma universal, um green card universal,
um aproveitamento de mais de 0,01% do cordão umbilical de banco privado de sangue,
um planejamento familiar planetário,
um ovni para esticar a vida fora da Terra,
uma forma para livrar o país de 32 bi nas contas públicas,
um único dia sem competitividade humana,
um único dia sem cometer devassa na natureza,
uma chance para tirar o país da UTI,
um instante para lembrar que a poesia (ainda) existe.

12/05/2013

OURO PRETO: A CASA DOS CONTOS



A Casa Eternizada, Multiplicadora de Espantos
        

        Tive o meu encontro com o inefável a partir de uma visão que eu diria caótica (também transfigurada e transfiguradora) das casas e ruas de Ouro Preto e Mariana. Pude, assim, dizer que ali: 

        O casario todo
        range doido e teme

        meu corpo de enforcado
        pendendo das goteiras. 

            E pude constatar que: 

        antes da memória o medo
        já pastava essas montanhas
        
        e o desespero futuro
        ventava nos arvoredos.
        
    Em razão dessa tresloucada abordagem, diálogo meramente estético com os sítios dadivosos de Ouro Preto e Mariana, e em razão, sobretudo e principalmente, de nossa antiga amizade, recebo de Elias Layon, um convite feito quase à queima-roupa, para uma viagem de retorno a Ouro Preto, e que devo empreender através de seu mais recente trabalho, creio.

    O convite tem razão de ser. É que o extraordinário pintor acabou de dar à luz uma “série expressionista” cerca de 100 quadros, centrada na Casa dos Contos. Trata-se, segundo diz, de “um tributo” ao monumento, desta feita, porém, segundo outra ordem estética.

    Ei-lo, assim, expressionista, grande fabro, reinventando a Casa e as suas entranhas, de uma maneira, diz, “mais solta e mais despojada”. Com esse despojamento, é que põe a casa em movimento e em pesadelo, como coisa viva, como ser pensante. 

    Cuidadoso, me avisa: 
    
    “A Casa pertence ao Ministério da Fazenda”, mas não é verdade. A Casa, Elias, pelo menos esta, reinventada, é patrimônio de outra humanidade. Agora, mais do que nunca, é patrimônio do indescritível, do indizível, do ininventável, de uma emoção estética toda feita de cór (o acento, aqui, é licença poética) e de cores em movimento.
    
    Nas telas, a Casa transcende a matéria de que é feita. É como um rio vazando as comportas e que se derrama. Depois de Elias Layon, seguramente, a Casa dos Contos é outra Casa, e segundo a nova estética, é líquida e ao mesmo tempo vaporosa.

    Ora arrancada de suas raízes é levada pelo vento, ora inventando intempéries, a Casa (que é interior) é futuro e é passado.

    Por exemplo, aqui a Casa chove. Daqui a pouco um relâmpago há de atravessar as suas entranhas (corredores, sótãos e porões), e no afã de se mostrar amorável, a Casa há de abrir suas portadas e janelas para que venha o vento, esse mesmo vento que ontem soprou sobre o corpo desesperado de Cláudio, tomado de extermínio. Falta-lhe talvez, e apenas, para completar o espetáculo, meu corpo de enforcado pendendo das goteiras, repetindo o poema. É assim que te vejo, ó Casa dos Contos!

    Em boa hora, quando a memória dos homens, por tranquila, ia dando o passado por encoberto, o dito pelo não-dito, o morto pelo mito, Elias Layon te reinventa, e te dá formas e cores que não suspeitávamos. E te dá uma fisionomia outra, desconhecida de todos nós.

    Nessa viagem, a Casa anoitece, a Casa amanhece. De repente, rubra. É como um ferro em brasa: carece de marcar a pele sombria dos homens? A memória vazada de esquecimento?

    Tendo adquirido vida própria através desse “trabalho de parto”, a casa renasce. E quando renasce, dói. Depois, engrisalha, envelhece empanturrada de história, chega à janela de si mesma e vai fundo na sensibilidade. 
    Quando venta, Layon, é a Casa que suspira, reinventada... Como é formidável essa Casa! Azul. Infinitamente. 

    O azul que é cinza? Não importa. 

    É lilás? Importa menos ainda. 

    Aqui, vale a transfiguração, mais do que o azul-beira-de-abismo, o azul cismando-vésperas-de-verde. 

    Eh, a Casa foi, por amor, roubada a Ouro Preto. Reside agora nos quadros incendiados de Elias Layon.

    Se aqui a Casa desaparece entre brumas, ali, transpõe os umbrais do medo e reaparece luminosa. Agora desconectada de sua realidade estática, está ligada à estética. 

    E aí, a Casa tem gestos que vêm de caibros e ripas, de telhados antigos e de certas paredes (a parede é carne humana de fato, ousei dizer num poema antigo), de certas janelas que acenam, e de umas pedras que, esquecidas, são escadas, gestos marcados com as digitais de nossos antepassados, sinais que Elias cuidou de redescobrir e preservar.

     Olho a Casa, e ela conversa comigo, reinventada nesse desvario que é dele (Pintor) e dela (Casa), assim irmanados.

     Num idílio de cores incomuns, momento seu de especial criação, Elias “viaja” até às entranhas da Casa, viaja de peito aberto e talvez de olhos fechados porque não carece de abrir os olhos para fazer a viagem, se a Casa é interior. Viaja completamente para espreitá-la e desvendar-lhe mistérios de ontem, inventando-lhe mistérios de amanhã.
  
    O fato é que, nessa viagem, Elias Layon não hesitou para que a Casa, mercê de todo esquecimento, se mudasse para as telas.

    Ao transfigurar a Casa, revela para todos nós a sua variegada face, essa face outra que é da Casa, e é de Elias Layon: face nova, pletora de uma metáfora que se projeta no futuro, tanto eternizada quanto multiplicadora de espantos.


Fonte: www.eliaslayon.com.br

Autor: Geraldo Reis

Data da publicação no site: 2010-01-31

25/04/2011

GERALDO REIS: O SER SENSÍVEL: POEMA PARA FRANCISCO CARVALHO, POETA-MOR

GERALDO REIS: O SER SENSÍVEL: POEMA PARA FRANCISCO CARVALHO, POETA-MOR

08/02/2011

A TÚNICA


A TÚNICA
 
(POEMA DE QUASE-NATAL)


Geraldo Reis
 

11/05/2010

AI DE TI, HAITI

AI DE TI, HAITI!


Márcio Almeida


Ai de ti, Haiti!
Cloaca da miséria a perguntar ao mundo
se Deus existe.
Entulho da morte, pátria do caos.
Ai de ti, carniça viva
a dar azia em urubu.
Nação a mando do diabo,
do açúcar acre, do carvão sem cinza,
do exército cômico para deleite de Guerrit Verschuur,
da vida a menos de um dólar,
da única universidade soterrada no desconhecimento
de sua fragilidade sísmica.
Ai de ti, cemitério a céu aberto
como seus esgotos, suas heresias no Palácio dos Milagres,
suas feridas abertas na História,
suas dinastias que Papa e Baby DOCumentam o horror da desgraça
que não cessa,
seu jugo estrangeiro a quem em inglês, francês, espanhol ou vudu
exauriu seu solo, furtou seu pouco de nada, anulou seu futuro.
O inferno pó-moderno teve seu apocalipse trêmulo
e chama-se Haiti.
Subserviência sob domínio da fome,
Terra morta por terremoto,
entre saques e violência,
povo sem sinapse com o real,
em fuga sem para onde,
aeroporto sem destino,
Porto Príncipe sob a realeza de mundo-cão.
Que os seus mortos adubem a esperança,
que seus políticos de mentira aprendam com a finitude,
que suas ajudas humanitárias
reconstruam o que seu povo nunca teve,
que suas ruínas ensinem a ouvir
entre vozes de concreto o apelo
de barrigudinhos catarrentos,
que seu cheiro pútrido chegue aos salões de festa,
às mesas fartas, aos bunkers dos G8,
aos cultos e aos discursos dos poderosos.
Ai de ti, Haiti!
Agora que a Natureza te riscou do mapa
e abalou o alicerce do planeta,
e que o mundo, solidário ao seu castigo por existir
escravo de tudo e todos,
possa, Haiti, vingar como veneno tardio
a única certeza de Deus não morrer antes
de um dia te ver feliz.

30/04/2010

POEMA PARA FRANCISCO CARVALHO, POETA-MOR

 


POEMA PARA FRANCISCO CARVALHO, POETA-MOR


            Geraldo Reis


Empresta-me o teu abismo e a tua lua
e serei um demiurgo
e andarei cantando loas
com a boca invisível de Deus
e serei salvo.

Empresta-me o teu devaneio e a tua prole
a tua sandália, os teus pés e o teu corpo
andarei entre sarças de fogo, incólume às labaredas
e entrarei no paraíso como no coração de Deus
e serei salvo.

Empresta-me a tua ceia e os teus convivas
os grãos de luz de teu celeiro e o teu pasto
empresta-me a tua coleção de antigos versos
e o teu canto de sereia arremessado contra os barcos
e cantarei com a tua voz de pálpebra cerrada
como no paraíso verde de Deus
e serei salvo.

Empresta-me a tua janela e o que dela se descortina
cantarei diante do deserto ao vislumbrar as searas apenas inventadas
e verei multiplicarem-se os oásis e as miragens
como na multiplicação dos pães, dos peixes e da chuva
e verei a multiplicação do próprio Deus
e serei salvo.

Empresta-me o teu rio e os teus seixos
a tua areia e os teus peixes
e terei uma sede infinita 
e uma fome tão ampla como os territórios de Deus
e serei salvo.

Empresta-me o teu cardume de sonho e de desejo
o teu livro de rezas e manufaturas
a poção com que se faz um barco, 
uma espiga, uma estrela
uma bússola, um epitáfio, um pássaro
e possuirei as esquinas de Manhattan, 
os subúrbios de Paris
as tardes de tua adolescência conspurcada
a tua bandeira de fé projetada no vácuo
donde entrarei cantando na claridade de Deus
e serei salvo.

Empresta-me a tua oficina e afinemos os barcos
para que singrem como estilete as águas
empresta-me no espelho a tua face imóvel
repetida no verso, como num lago
e entrarei na baía de todos os santos de Deus como num monastério
e serei salvo.

Empresta-me a tua história, a lenda que habitavas
teu cajado, a tua figura de pastor e o teu rebanho de cabras
e serei como a canção de tua boca
e entrarei no ouvido de Deus
e serei salvo.

Empresta-me o teu reino e os teus vassalos
o cavalo que um dia sonhaste galopando em alto-mar
o salto que ele dava e que anulava a distância
entre o mergulho no abismo e o teu afeto
e penetrarei triunfante como um dardo
na escuridão do olhar de Deus
e serei salvo.

Empresta-me a fração de mar que refletiu teu rosto
onde a primeira ruga era um pombo musicado
a rua clara conduzindo ao impossível
terreno donde se espalha o combate
entre o anjo bom que colhe o verso
e o anjo mau que dissemina o sargaço,
e estarei cantando como urutau que subsiste
às intempéries da atual falta de canto
e entrarei na partitura do próprio canto de Deus
e serei salvo.

Empresta-me a tua retina e o que nela se enquadra
e empresta-me a paz de teus lábios cerrados
(não para sempre,
mas enquanto dormes)
e cantarei com a voz da tempestade como um novo dilúvio
e entrarei no sono de Deus
e serei salvo.

Empresta-me o que restou de voz ao filho pródigo
o que sobrou do banquete natalino dos mendigos
empresta-me a insônia do que viveu mais pobre
porque tudo o que tinha era nada
e estarei cantando como quem pede
um lugar para sempre na simplicidade de Deus
e serei salvo.

Empresta-me as embarcações mais frágeis
as rotas ignoradas e os versos inacabados
empresta-me o degredo do que não teve pátria
nem dinheiro, nem endereço, identidade, vida ou morte
e estarei cantando, assim como quem passa
a vida inteira diante de Deus
e serei salvo.

Empresta-me a cerração mais densa e o luar mais baço
empresta-me o teu olho esquerdo
(que o direito pode fazer falta)
e empresta-me a tua história que repete
a pupila do eterno enquanto passo
e estarei cantando como quem abre
o guarda-chuva da proteção que vem de Deus
e serei salvo.

Empresta-me o teu catre
e nele o que foi sonho
principalmente empresta-me o teu sinete
as carpideiras que te amaram e que se foram
as amantes que te consumiram e já nem te comovem,
o ar que penetrando os teus pulmões
voltou como verso e como canto redimido
e entrarei nos domínios de Deus com no domingo mais claro
um eterno domingo na madrugada de Deus
e serei salvo.

Empresta-me a tua coleção de antúrios e o teu cão de guarda
as canções que tombaram à porta de tua morada
até que chegue o sol e até que chegue a lua
até que chegue a nova eternidade
que existe depois de Deus e do abismo
e serei salvo.

10/01/2010

Gmail - Alerta do Google - ROMANCE POESIA LANÇAMENTOS - advgeraldoreis@gmail.com

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JORGE TUFIC DE LIVRO NOVO

UM HÓSPEDE CHAMADO HANSEN: LIVRO NOVO DE JORGE TUFIC

Irmãozinho Jorge:

Recebemos a notícia “auspiciosa”: Você nos surpreendendo, outra vez, com mais um livro novo. De Jorge Tufic podemos dizer que já se tornou um clássico, um escritor cada vez mais imprescindível. Sucesso é o daqui lhe desejamos! O coração de Minas se exulta e espera um lançamento em Belo Horizonte, Ouro Preto, Juiz de Fora e Mariana, quem sabe... Esperamos você para um longo abraço, fraterno e afetuoso, pessoalmente. Venha repetir em Minas essa efeméride. Repassamos, com alegria, e assim divulgamos no nosso blog O SER SENSÍVEL ou www.poetageraldoreis.blogspot.com . A notícia desse lançamento é mais um “gol de letra". Parabéns. Geraldo Reis e Maria Lúcia Camelo.

Após 53 anos de sua estreia literária com o livro de poesia Varanda de Pássaros, Jorge Tufic, um dos escritores mais expressivos da literatura amazonense lançou em abril de 2009 sua primeira novela, na Livraria Valer (Rua Ramos Ferreira – 1195, Centro – Fortaleza - CE). Na ocasião, o autor falou sobre a produção do livro e sobre o assunto que permeia a obra.

Um hóspede chamado Hansen divide-se em quatro partes, sendo que nas três primeiras apresenta a novela e, em seguida, dez contos inéditos. O personagem Ronaldo é um desses hipocondríacos que volta e meia encontramos por aí. Ele sai de hospital em hospital para desvendar um mistério: a aparição de manchas luminosas no seu braço. Apesar de toda procura, o leitor terá uma surpresa ao final da descoberta de Ronaldo. É com esse enredo que o escritor Jorge Tufic constrói a sua novela que faz parte do livro. Outro destaque de Um hóspede chamado Hansen são os 10 contos que compõem a quarta parte do livro. Pula-Pula, O sonho de Tibério, Condenados na Praça e As cincos rosas trazem textos curtos, que exploram o realismo fantástico do cotidiano. Tanto a novela quanto os contos foram escritos há 23 anos e só agora serão publicados.


O AUTOR
Jorge Tufic, poeta e ensaísta, nasceu no Acre. Descendente de uma família de comerciantes árabes, seu pai desenvolveu suas atividades comerciais nos seringais. Com o declínio da produção de borracha, transferiu-se, no início da década de 40 aos, para Manaus, onde realizou seus primeiros estudos. Exerceu, durante boa parte de sua vida, a atividade de jornalista. Tufic é um dos fundadores do Clube da Madrugada e ocupa a cadeira n.º 18 da Academia Amazonense de Letras. É membro da Casa do Poeta Brasileiro, da Academia Acreana de Letras, da Academia Pré-Andina de Letras e Letras do Nordeste Brasileiro. A partir do início da década de 90, fixou-se em Fortaleza, dedicando-se exclusivamente à literatura. Sua produção literária é uma evidência de sua identificação com o universo regional, seu esforço em criar uma obra identificada com os mitos, anseios e esperanças do homem da Amazônia.
Principais obras: Poesia: Varanda de pássaros, 1956; Pequena antologia madrugada, 1958; Chão sem mácula, 1966; Faturação do ócio, 1974; Cordelim de alfarrábios, 1979; Os mitos da criação e outros poemas, 1980; Sagapanema, 1981; Oficina de textos, 1982; Poesia reunida, 1987; Retrato da mãe, 1995; Boléka, a onça invisível do universo, 1995; Os Quatro elementos, 1996; Quando as noites voavam, 1999; Dueto para sopro e corda, 2000; Sonetos de Jorge Tufic, 2000; Conto: O outro lado do rio das lágrimas, 1976; Os filhos do terremoto, 1978 Ensaio: Existe uma literatura amazonense, 1982; Roteiro da literatura amazonense, 1983; O Protesto de Bocage, 2004. Crônica: Tio José, 1976. Memória: A casa do tempo, 1987. Novela e contos: Um Hóspede chamado Hansen, 2009. Livros inéditos: Guardanapos pintados com vinho (poesia). Amazônia: o massacre e o legado (ensaios); O Sonho de Tibério (crônicas); Jorge Tufic: o Senador da Cultura (recortes de campanha política); O Soneto no Amazonas: sua história, sua evolução (ensaio com antologia);

Evento: Lançamento de livro
Título: Um hóspede chamado Hansen
Páginas: 96
Autor: Jorge Tufic
Editora: Valer
Preço do livro: R$ 25
Data: 25 de abril de 2009 (sábado)
Horário: 10h
Local: Livraria Valer – Rua Ramos Ferreira, 1195 – Centro
Contatos: 3635-1324 (Livraria Valer)


Aconteceu: Registro.

POESIA NA ESTANTE

  • 50 POEMAS (Antologia bilíngue: Português e Alemão) - Anderson Braga Horta / Tradução de Curt Meyr-Clason)
  • A CONTINGÊNCIA DO SER - Célio César Paduani
  • A INSÔNIA DOS GRILOS - Jorge Tufic
  • A RETÓRICA DO SILÊNCIO - Gilberto Mendonça Teles
  • A ROSA DO POVO - Carlos Drummond de Andrade
  • A SOLEIRA E O SÉCULO - Iacyr Anderson Freitas
  • A VACA E O HIPOGRIFO - Mário Quintana
  • AINDA O SOL - Gabriel Bicalho
  • ARTE DE ARMAR - Gilberto Mendonça Teles
  • ARTEFATOS DE AREIA - Francisco Carvalho
  • AS IMPUREZAS DO BRANCO - Carlos Drummond de Andrade
  • BARCA DOS SENTIDOS - Francisco Carvalho
  • BARULHOS - Ferreira Gullar
  • BAÚ DE ESPANTO - Mário Quintana
  • BICHO PAPEL - Régis Bonvicino
  • CADERNO H - Mário Quintana
  • CANTATA - Yeda Prates Bernis
  • CANTIGA DE ADORMECER TAMANDUÁ E ACORDAR UNS HOMENS - Pascoal Motta
  • CANTO E PALAVRA - Affonso Romano de Sant'Anna
  • CARAVELA - REDESCOBRIMENTOS - Gabriel Bicalho
  • CENTRAL POÉTICA - Lêdo Ivo
  • CONVERSA CLARA - Domingos Pelegrini Jr.
  • CORPO PORTÁTIL - Fernando Fiorese
  • CRIME NA FLORA - Ferreira Gullar
  • CRISTAL DO TEMPO & A COR DO INVISíVEL - Maria do Rosário Teles do invisível
  • DIÁRIO DO MUDO - Paulinho Assunção
  • DICIONÁRIO MÍNIMO - Fernando Fábio Fiorese Furtado
  • DUAS ÁGUAS - João Cabral de Melo Neto
  • ELEGIA DO PAÍS DAS GERAIS - Dantas Motta
  • ESTESIA (Triolés) - Napoleão Valadares
  • FANTASIA - Napoleão Valadares
  • FINIS TERRA - Lêdo Ivo
  • GUARDANAPOS PINTADOS COM VINHO - Jorge Tufic
  • HORA ABERTA - Gilberto Mendonça Teles
  • HORTA (Versos em Três Tempos) - Anderso de Araújo Horta - Maria Braga Horta e Anderson Braga Horta
  • INVENÇÃO DE ORFEU - Jorge de Lima
  • LAVRÁRIO - Márcio Almeida
  • LIRISMO RURAL (O Sereno do Cerrado) - Gilberto Mendonça Teles
  • MEL PERVERSO - Márcio Almeida
  • MELHORES POEMAS - Paulo Leminski
  • NARCISO - Marcus Accioly
  • O ESTRANHO CANTO DO PÁSSARO - Célio César Paduani
  • O ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA - Cecília Meirelles
  • O SONO PROVISÓRIO - Antônio Barreto
  • O TERRA A TERRA DA LINGUAGEM - Gilberto Mendonça Teles
  • OS MELHORES POEMAS DE FERREIRA GULLAR - Ferreira Gullar
  • PASTO DE PEDRA - Bueno de Rivera
  • PLURAL DE NUVENS - Gilberto Mendonça Teles
  • POEMA SUJO - Ferreira Gullar
  • POEMAS REUNIDOS - Gilberto Mendonça Teles
  • POEMAS REUNIDOS - João Cabral de Melo Neto
  • POESIA REUNIDA - Jorge Tufic
  • RETRATO DE MÃE - Jorge Tufic
  • SIGNO (Antologia Metapoética) - Anderson Braga Horta
  • VER DE BOI - Pascoal Motta
  • VESÂNIA - Márcio Almeida
  • VIANDANTE - Yeda Prates Bernis